Artigo discute o conceito de progresso a partir de “Saudosa Maloca”, de Adoniran Barbosa

Artigo da revista “Humanidades em Diálogo” analisa o samba e a ideia de progresso: se, por um lado, o tempo e a história modificam o cenário das cidades, a passagem inexorável do tempo e a ideologia do moderno pulverizam sonhos construídos a partir de memórias afetivas ligadas a um cotidiano que não mais existirá

 06/06/2022 - Publicado há 2 anos

Fotomontagem com imagens de Wikipédia e Wikimedia Commons por Adrielly Kilryann/Jornal da USP

 

Margareth Artur/Revistas da USP

Saudosa maloca / maloca querida / dim dim donde nóis passemos / os dias feliz / da nossa vida: a música Saudosa Maloca, escrita em 1951 por Adoniram Barbosa (1910-1982), serviu de inspiração para os autores do artigo A Maloca na contramão do progresso: Adoniran Barbosa e a modernidade, publicado na revista Humanidades em Diálogo, investigarem a concepção de progresso em seus amplos conceitos. Se, por um lado, o tempo e a história acabam por modificar o cenário das cidades, com foco na época da criação da música – a sociedade paulista na década de 1950 -, a passagem inexorável do tempo e a ideologia do “moderno” podem pulverizar sonhos construídos a partir de memórias afetivas ligadas a um cotidiano que não mais existirá.

O ritmo acelerado que a modernidade traz consigo para a vida das pessoas, segundo o artigo, não combina com aquilo que Adoniran, como representante de uma parcela da população não “letrada”, pensa e sente a felicidade, pois “sua maloca ainda queima e engendra a noção moderna, afinal, São Paulo ainda não pode parar”. Adoniran se ressente de um tempo em que a vida não era regida por compromissos regulados pelo implacável das horas e a palavra nostalgia ainda não aparecia em suas obras. O amplo processo de modernização mudou sua realidade e a de toda a sociedade e, aí sim, a nostalgia ganha forma: Saudosa maloca / maloca querida / dim dim donde nóis passemos / os dias feliz / da nossa vida. Nesse contexto, segundo os autores, é que surge a discussão sobre a complexidade, os prós e os contras da modernidade e do progresso, em que Adoniran é expressão viva desse conflito.

Considerado o pai do samba paulistano, o compositor sempre se expressou pela linguagem oral em suas composições, marcando sua originalidade como artista, contando, por meio de suas letras, “as dificuldades dos operários que ajudavam a construir a maior cidade do Brasil”, os obstáculos econômicos e sociais, tendo como consequência, entre outros problemas, a falta de moradia, detalhada em canções que remetem a bairros como Bexiga, Brás e Mooca. “Deste modo, espera-se demonstrar que o compositor, através de seu samba, transmite uma concepção nostálgica, na contramão das ideias progressistas”, afirmam os autores, que traçam o histórico da canção no Brasil, no que diz respeito ao samba.

Os chamados “anos dourados” eram atribuídos ao samba carioca, “o conceito máximo da brasilidade”, que refletia o projeto de exaltação da autenticidade da tradição da música nos anos 1930, cujo objetivo era a valorização da música popular, principalmente, a que relatava vivências rurais. Porém, foram o choro e o samba os ritmos musicais consagrados para representar o acordo e a convivência pacífica entre as características brasileiras e as influências estrangeiras, entre o moderno e a tradição cultural, entre o erudito e o popular. Adoniran, com suas canções, nas palavras dos autores, sempre incorporou um manifesto de protesto contra “uma cidade que construía para destruir, tudo isso em ritmos que nem mesmo a memória poderia acompanhar”. O compositor, em Saudosa Maloca, desabafa: Se o sinhô não tá lembrado / Dá licença de contá /Que aqui onde agora está / Esse edifício arto / Era uma casa véia / Um palacete assobradado.

Adoniran, em canções como Praça da Sé, Iracema, Aguenta Mão, Despejo na Favela, dentre outras, relata as mudanças pelas quais a cidade de São Paulo passou diante da modernidade e do progresso, com os congestionamentos gerados pela grande quantidade de veículos nas ruas e seus possíveis acidentes, o aumento da poluição, a escassez de moradias, o avanço dos altos edifícios invadindo a cidade e achatando espaços de arborização.

Esses são fatos que entristecem o compositor: “Puxa vida, me dá uma saudade de uma porção de coisas que não existem mais”. Ao lado da cantada nostalgia de uma época, Saudosa Maloca é símbolo de resistência e denúncia de um mundo que o progresso desvairado fez desaparecer, é um brado à indiferença da sociedade diante dos desvalidos, um documento histórico de um artista que é retrato de um tempo que não volta mais: “Eu passo e sinto um negócio em mim, não dá nem pra explicar”, dizia Adoniran. Será que São Paulo não pode parar?

Artigo

SILVA, Wener Aparecido Nogueira da; AMARAL, Assíria Toledo do. A Maloca na contramão do progresso: Adoniran Barbosa e a modernidade. Humanidades em Diálogo, São Paulo, v. 11, p. 31-42, 2022. ISSN: 1982-7547. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-7547.hd.2022.177346. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/humanidades/article/view/177346. Acesso em: 28 abr. 2022.

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Assíria Toledo do Amaral – Graduada em História pela Universidade Estadual Paulista – Unesp. 

Wener Aparecido Nogueira da Silva – Graduado em História pela Universidade Estadual Paulista – Unesp.



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