Em 2016, algo de estranho aconteceu na estratosfera, a segunda camada mais baixa da atmosfera: a periodicidade da oscilação quase-bienal (QBO), uma inversão dos ventos na região equatorial, considerada um fenômeno atmosférico regular e previsível, foi quebrada pela primeira vez desde que ela começou a ser observada, na década de 1950. Essa quebra, que influencia mudanças climáticas extremas em todo o mundo, foi analisada e explicada por pesquisadores da USP em artigo publicado no mês de julho no periódico especializado Geophysical Research Letters.
A cada período da QBO (que dura em média 28 meses), os ventos da direção Leste–Oeste invertem o sentido. Até que, em 2016, “em vez de completar o ciclo de reversão, ele voltou para a direção anterior”, conta o geocientista Breno Raphaldini, pós-doutorando em Meteorologia no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e primeiro autor do artigo que descreve a pesquisa.
A quebra da periodicidade da QBO pode ter efeitos nos fenômenos meteorológicos de todo o globo terrestre. Nós não sentimos os ventos que ocorrem na estratosfera, mas somos diretamente afetados por fenômenos que interagem com a QBO, como El Niño e La Niña. A QBO também tem relação com a formação de furacões tropicais e com a oscilação Madden-Julian, que determina os regimes de chuva em regiões diversas como o sudeste brasileiro, a Amazônia e o sul da Ásia.
Interações atmosféricas
A quebra da QBO poderia ser um evento raro e isolado, ou poderia ser uma mudança no regime desse fenômeno relacionada a outras interações atmosféricas. Para responder a essa pergunta, Raphaldini utilizou dados de reanálise, que combina dados observacionais (de satélite) incorporados em modelos atmosféricos computacionais. “A reanálise é uma forma de transformar as observações que ocorrem de forma não uniforme e fazer uma estimativa para o globo inteiro”, explica Raphaldini. Isso é necessário porque os satélites que capturam dados meteorológicos orbitam a Terra e, portanto, não podem observar todas as regiões simultaneamente durante as 24 horas de um dia.
Dados de reanálise foram utilizados para comparar dois períodos de dez anos – de 1990 a 2000 e de 2005 a 2015. Esses dois períodos foram escolhidos propositalmente por serem anteriores à anomalia. A comparação entre esses dois períodos indicou que houve um aumento dramático na quantidade de eventos extremos. “Realizamos a decomposição dos ventos da estratosfera em termos de ondas e observamos que uma componente associada a ventos Leste–Oeste teve uma mudança de regime, o que indica maior ocorrência de eventos extremos”, descreve o pesquisador. Os eventos extremos verificados no período podem ser considerados precursores da quebra da QBO.
“Isso favorece a hipótese de que a quebra do regime esteja associada a uma mudança na escala de décadas, ou seja, que ela não foi um evento raro e aleatório”, avalia Raphaldini. “As nossas conclusões indicam que a quebra está associada a mudanças climáticas na escala de décadas, e que a tendência é que ela se repita”. A anomalia da QBO já ocorreu novamente em 2020, às vésperas da publicação da pesquisa. Essa nova quebra corrobora a conclusão de Raphaldini e indica que o fenômeno pode se tornar caótico e mais difícil de se prever, dificultando também a previsão dos fenômenos meteorológicos associados à QBO. Ela também pode contribuir com a ocorrência cada vez maior dos eventos extremos.
Raphaldini colaborou com o professor Pedro Leite da Silva Dias, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG, com os doutorandos em Meteorologia André Seiji Wakate Teruya e Victor Raul Chavez Mayta, e com o mestrando em Estatística Victor Junji Takara, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. O artigo Normal Mode Perspective on the 2016 QBO Disruption: Evidence for a Basic State Regime Transition foi publicado em 8 de julho na revista Geophysical Research Letters.
(Texto: Assessoria de Comunicação do IAG)
Mais informações: e-mail brenorfs@gmail.com, com Breno Raphaldini