Vínculo empregatício pode gerar aumento de custos para entregadores e empresas de aplicativo

Especialista defende flexibilização das leis trabalhistas para contemplar trabalhadores autônomos e diz que vínculo com a CLT não impacta a concorrência entre empresas

 Publicado: 16/01/2025 às 7:30
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Imagem é uma ilustração que mostra um entregador de empresa de aplicativo em sua moto e uma motorista de transporte de aplicativo abrindo a porta do carro
Trabalhadores que atuam como entregadores ou motoristas de aplicativo têm jornadas flexíveis de trabalho não contempladas na CLT – Arte sobre imagens: storyset/Freepik/Agência Câmara e Those Icons/Flaticon
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Com o alto número de trabalhadores autônomos no Brasil, sobretudo entregadores e motoristas de aplicativos, cresce a discussão sobre a necessidade de uma regulamentação adequada para essa categoria de trabalho, que contemple tanto os trabalhadores quanto as empresas de aplicativo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possuía cerca de 29,9 milhões de trabalhadores autônomos em 2023. Além disso, de acordo com dados do IBGE e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Brasil possui cerca de 2,1 milhões de trabalhadores por aplicativo; destes, 1,5 milhão atua como motorista ou entregador. 

No dia 5/12, a 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), de São Paulo e Mato Grosso do Sul, reconheceu o vínculo empregatício de todos os entregadores de aplicativo, ou seja, o TRT considera esses trabalhadores como passíveis de serem registrados pelas regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e puniu o iFood em R$ 10 milhões. Essa decisão não agradou nem a empresa nem essa categoria dos autônomos. 

O professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, destaca a importância de uma maior flexibilidade e autonomia para os trabalhadores. “As leis trabalhistas no Brasil são muito engessadas. Elas possuem um custo muito alto, tanto é que o trabalho informal no Brasil é muito elevado. Então o custo para formalização do emprego no Brasil também é alto para as empresas e isso faz as pessoas, principalmente aquelas menos qualificadas, irem para a informalidade. É necessário haver mais flexibilidade, que é o principal ponto que esses aplicativos trouxeram, além de dar mais autonomia para os trabalhadores ou prestadores de serviços escolherem o quanto eles querem trabalhar.”

Segundo o iFood, a relação entre plataformas digitais e os profissionais parceiros não caracteriza vínculo empregatício, entre outros fatores, porque os trabalhadores possuem total autonomia para escolher quantas horas por dia e quantos dias da semana irão trabalhar. No caso desses autônomos, de acordo com a pesquisa Futuro do Trabalho por Aplicativos, realizada pelo Datafolha a pedido do iFood e Uber, 75% dos motoristas e entregadores são contrários a possuírem um vínculo empregatício e preferem a autonomia.

O governo possui um projeto para regulamentar a categoria dos motoristas de aplicativo. A proposta contém uma jornada de trabalho de oito horas mínimas e 12 horas máximas por dia, podendo o trabalhador atuar em qual plataforma tiver interesse, além de uma remuneração fixa de R$ 32,10 por hora trabalhada.

Impactos econômicos

Luciano Nakabashi – Foto: CV Lattes

Nakabashi analisa os impactos econômicos que essa medida pode gerar para as empresas de aplicativo e os autônomos e destaca um aumento de custo para os consumidores, trabalhadores e empresas. “A obrigatoriedade desse vínculo CLT aumentaria os custos para as empresas de aplicativos por uma série de encargos trabalhistas. Esse aumento seria dividido em três partes, ocorreria um aumento no preço dos serviços para quem está contratando, além de reduzir o recebimento do valor líquido dos entregadores e o lucro das empresas responsáveis pelos serviços.”

Segundo o professor, mesmo assim, as empresas não perderiam muita competitividade no mercado, mesmo se forem obrigadas a adotar o vínculo CLT com seus funcionários. “Se o vínculo for obrigatório, todo mundo que trabalha hoje para as empresas se tornariam CLT. Então ocorreria uma concorrência com as empresas que já são formalizadas, que possuem outros encargos. Então acho que todas as empresas de aplicativos vão acabar tendo que contratar via CLT, logo o custo aumenta para todas. Então a competitividade ainda não vai alterar relativamente.”

O docente vê aspectos positivos e negativos desse possível novo vínculo e sugere que a inovação no setor pode diminuir. “Sempre vai haver prós e contras para o trabalhador. Vai ter o lado negativo, que vai reduzir um pouco a demanda pelo aumento do custo, vai ter menos pessoas e uma quantidade menor de serviços sendo ofertados pelos aplicativos. Porém, irá ocorrer uma maior segurança para os trabalhadores com as leis trabalhistas. Além disso, também ocorreria uma redução do lucro das empresas, podendo diminuir o investimento em inovação no setor, já que elas teriam menos recurso para investimentos.”

O professor alerta para o alto número de infrações de trânsito que os autônomos cometem para fazer as entregas de maneira mais rápida e sugere que as empresas arquem com esses custos. “Outro ponto importante é a responsabilidade das plataformas sobre infrações cometidas pelos prestadores de serviço, como desrespeito às leis de trânsito. Hoje, muitos entregadores e motoristas de aplicativos, ao buscarem maior produtividade, cometem infrações que geram acidentes, custos ao sistema de saúde pública e riscos à segurança no trânsito.” Segundo ele, seria necessário que as empresas de aplicativos assumissem parte dessas punições, como o pagamento de multas e custos relacionados a acidentes. “Isso criaria incentivos para que elas monitorem e estimulem o cumprimento das leis de trânsito por parte de seus prestadores”, conclui.


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