Projeto da USP na Fundação Casa promove saúde mental e bem-estar através da arte e cultura

Coordenado pela professora Jacqueline de Souza da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, a ideia é promover a saúde mental por meio do treino de habilidades de vida e de manejo emocional, contribuindo para a melhor convivência e reintegração social dos participantes

 13/12/2024 - Publicado há 1 mês
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Imagem com cinco meninos sentados no chão, um em pé e outro agachado na frente de todos e de costas, grafitando a palavra prosperidade toda colorida. todos usam camiseta cinza e calção azul escuro
Meninos da Fundação Casa em atividade de grafitagem do Projeto da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Foto: Eliano Moreira
O projeto Saúde Mental: Lazer, Arte e Cultura na Fundação Casa, liderado pelo Grupo de Estudos de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental (GEEPSM) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, sob a coordenação da professora Jacqueline de Souza, tem transformado os domingos na Fundação Casa em momentos de aprendizado, reflexão e expressão artística. As atividades realizadas proporcionam novas experiências para os adolescentes atendidos. Eles participam de oficinas que exploram temas como subjetividade, identidade cultural e saúde mental, com abordagens práticas e interativas.

Iniciado em dezembro de 2023, em resposta à solicitação do coordenador pedagógico Eliano dos Anjos Moreira, o projeto atende adolescentes de 12 a 18 anos, muitos em situação de vulnerabilidade social, e busca diversificar as atividades dos internos, que possuem uma agenda cheia durante a semana, mas menos intensa aos domingos. As atividades combinam arte, cultura e saúde mental, com o objetivo de ampliar o repertório cultural, promover a saúde mental por meio do treino de habilidades de vida e de manejo emocional, contribuindo para uma melhor convivência e reintegração social dos participantes.

Rosa com meninos, todos de camiseta cinza e calção azul escuro, desenhando numa folha grande e várias canetinhas coloridas
Oficina de expressão de sentimentos na Fundação Casa – Foto: Eliano Moreira

Novas perspectivas

As atividades incluem oficinas que exploram temas como subjetividade, identidade cultural e saúde mental, com abordagens práticas e interativas. Entre as ações realizadas destacam-se: estratégia gamificada sobre resiliência: um circuito intercalando atividades físicas e reflexivas sobre o tema; oficina de sonoridade: conduzida por um produtor cultural, apresentou aos adolescentes como criar músicas, explorando instrumentos e técnicas de estúdio, muitos tocaram pela primeira vez e se emocionaram ao descobrir novas habilidades; oficina dos cinco sentidos: conectou os internos com seus sentidos em momentos de decisão e lazer, ajudando-os a perceberem o mundo de forma mais consciente; roda de capoeira: estimulou controle emocional e fortalecimento cultural; dinâmicas de saúde mental: trabalharam comunicação assertiva e habilidades sociais, incluindo formas não violentas de pedir apoio e expressar sentimentos como raiva e amor; plano de vida: incentivou reflexões sobre objetivos futuros; escultura viva: uma dinâmica coletiva que promoveu a conexão entre os adolescentes e ajudou na resolução de conflitos.

No último encontro, em 1º de dezembro, cinco grupos trabalharam temas como a expressão de sentimentos e a comunicação não violenta. A programação incluiu uma oficina de grafite, que une reflexão e arte, promovendo a subjetividade e o autoconhecimento. “Nosso objetivo não é apenas despertar sensibilidade, mas ensinar como canalizar emoções e se expressar assertivamente, ressignificando relações interpessoais e criando um ambiente mais harmonioso”, explica a professora Jacqueline.

O projeto já impactou mais de 100 adolescentes, oferecendo momentos de lazer e aprendizado em um ambiente desafiador. As ações têm resultados de curto e longo prazos, como redução de conflitos na unidade e promoção do bem-estar emocional. Segundo Moreira, coordenador pedagógico do local, servidor há 11 anos, “os meninos se sentem valorizados e enxergam nas atividades um espaço seguro para explorar novas possibilidades e habilidades”.

A professora Jacqueline compartilha momentos emocionantes vividos durante o projeto, como do adolescente que conseguiu tocar um instrumento pela primeira vez: “Esses meninos precisam enxergar que o mundo é maior do que aquilo que eles conhecem. Quando mostramos novas possibilidades, ajudamos a abrir uma janela para que eles possam sonhar com algo diferente. Ver o impacto disso nos olhos deles é algo transformador”.

O envolvimento de alunos de graduação e pós-graduação e os já profissionais proporciona aos participantes uma vivência prática interprofissional. “Para os adolescentes, as atividades abrem portas para novas perspectivas, enquanto para os estudantes, representam uma oportunidade de aprendizado em saúde mental”, afirma Jacqueline.

Grupo de 8 mulheres e um homens, vestidos de jaleco branco, ao lado de uma árvore, cinco em pé e 4 agachados
Grupo de Estudos de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental – Foto: Rose Talamone

Desafios

Os recursos são limitados, assim, o grupo utiliza materiais simples e busca apoio externo para viabilizar ações como oficinas de capoeira e grafite, por exemplo. Parcerias com artistas locais e a criatividade dos integrantes têm sido essenciais para superar os desafios logísticos e financeiros. “Cada atividade é pensada com muito carinho, porque sabemos que o impacto pode ser transformador. Ao mesmo tempo nós também aprendemos com eles. É uma troca constante”, analisa Jacqueline​​.

O impacto do projeto é refletido na avaliação dos próprios meninos que referem se sentirem valorizados e encorajados a pensar outras perspectivas para a própria vida. Os profissionais também relatam que durante o resto da semana o assunto dos meninos são as atividades que foram desenvolvidas no domingo “pelo pessoal da USP”. Além disso, o contato com diferentes formas de expressão e culturas amplia o universo dos internos, mostrando que existem possibilidades além do ambiente em que estão inseridos.

Um jovem, de uma cidade da região metropolitana de Ribeirão Preto, contou sorrindo, durante a última atividade, que tem o objetivo de “sair do local e buscar um emprego, porque percebeu que é capaz, que não precisa viver de pequenos furtos para se sentir importante”.

Na imagem faixa escrita Feliz Natal em letras grandes e em vermelho
Grafitagem dos meninos da Fundação Casa durante projeto da EERP – Foto: Eliano Moreira

Fundação Casa e sua trajetória no atendimento socioeducativo

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, mais conhecida como Fundação Casa, é a principal instituição no Estado de São Paulo voltada ao atendimento de adolescentes em conflito com a lei. Criada em 1976 sob o nome de Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), sua trajetória é marcada por transformações significativas no modelo de gestão e nas práticas socioeducativas, alinhando-se às diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990.

A mudança de nome para a Fundação Casa em 2006 sinalizou uma nova abordagem, centrada na ressocialização de adolescentes e na proteção de seus direitos. Atualmente, a instituição promove um conjunto de ações voltadas à educação formal, profissionalização, saúde, cultura, esporte e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

A Unidade da Fundação Casa em Ribeirão Preto é um complexo com três unidades, sendo a Casa Portinari, porta de entrada dos adolescentes, e duas casas de internação: Casa Ribeirão Preto e Casa Rio Pardo, que integram essa rede de atendimento socioeducativo e desempenham papel estratégico na região. Juntas com a tradição em serviços sociais e educacionais, as unidades oferecem suporte a jovens da cidade e de municípios vizinhos, acolhendo-os em um ambiente estruturado para o desenvolvimento integral.

As Casas Rio Pardo e Ribeirão Preto, com capacidade para atender cerca de 116 adolescentes, segue o modelo socioeducativo preconizado pelo ECA, que prioriza a individualização dos atendimentos e o envolvimento das famílias no processo de ressocialização. Nesta unidade e nas demais, os jovens têm acesso a aulas regulares, cursos de qualificação profissional e atividades culturais que visam estimular o senso de responsabilidade e cidadania.

Embora a Fundação Casa tenha avançado em diversas áreas, os desafios permanecem. Entre eles, destacam-se a superação do estigma social associado às unidades e a reintegração efetiva dos jovens à sociedade. “Em Ribeirão Preto, a parceria com escolas, ONGs e instituições tem sido um diferencial no fortalecimento das redes de apoio locais”, conclui Moreira.


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