O planeta está aquecendo mais rapidamente do que em qualquer outro momento registrado na história. É o que aponta o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Com as ameaças à humanidade saindo dos filmes de ficção científica e povoando as narrativas dos cientistas, o sofrimento psíquico pelas mudanças do clima está se intensificando e tomando grande parcela da população.
Segundo a Associação Americana de Psicologia, 25% a 50% das pessoas expostas a um desastre climático têm risco de desenvolver problemas de saúde mental. Entre as patologias mais previsíveis estão o transtorno de ansiedade generalizada, neste caso chamado de ecoansiedade.
Mariana Leal de Barros, pesquisadora em ativismo climático e líder do projeto Jacarandá – Sonhar em Rede, explica que ecoansiedade significa medo crônico da catástrofe ambiental. O termo foi incorporado como conceito pela Associação Americana de Psicologia em 2007, alguns anos depois da primeira menção em 2003.
Embora postulado nos anos 2000, os impactos da degradação ambiental na saúde mental começaram bem antes dessa data, mas não foram validados por serem manifestados por populações excluídas socialmente.
“No Brasil, por exemplo, a gente pode dizer que esse sofrimento já data de 500 anos, ou seja, desde que esse território foi invadido, explorado e devastado. Esse sofrimento só não foi visibilizado, assim como não se dá a visibilidade necessária para o sofrimento amplo que as mudanças extremas do clima já estão causando para populações que são marginalizadas e que têm menores condições de enfrentamento. Eu estou falando aqui de racismo ambiental, estou falando de justiça climática”, diz a pesquisadora, que é doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
O racismo ambiental diz respeito às formas de segregação de grupos sociais, incorporando a ideia de aproveitamento dos territórios. Assim, o termo se refere aos grupos sociais que são secularmente deixados de lado nas políticas urbanas. A explicação é do professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Márcio Henrique Ponzilacqua. Geralmente, as pessoas que sofrem discriminação social também sofrem esses modelos discriminatórios e ocupam áreas de risco ambiental.
“Os indígenas, quilombolas, povos ribeirinhos ou as pessoas das comunidades são excluídos por modelos de urbanização e dos benefícios ambientais como, por exemplo, água encanada e sistemas de esgoto. Ou então eles sofrem situações de contaminação de solo, de poluição, e os mais ricos são beneficiados com programas que os colocam distantes até geograficamente desses problemas”, explica o professor Ponzilacqua.
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indicam que populações de maior vulnerabilidade socioeconômica são as mais atingidas pelos danos climáticos. A intensidade com que a ecoansiedade afeta as pessoas é proporcional às condições climáticas que cada um está submetido, o que acaba por reforçar uma sobreposição de opressões em grupos sociais vulneráveis. Por isso, apesar de causar sintomas físicos, como insônia, palpitação, hiperventilação e desânimo, Mariana destaca a importância de considerar a ansiedade climática como um problema coletivo, uma vez que a mudança do clima também é comum à sociedade e diminuir as consequências dela depende de reivindicações coletivas.
“Não podemos correr o risco de medicar individualmente um problema que precisa ser tratado socialmente. Não está doente alguém que está sofrendo com os alertas de risco ou com as catástrofes ambientais que já têm acontecido. Essa pessoa está em conformidade com o mundo, ela está sensível ao que a gente tem vivido e atenta ao que ainda está por vir”, diz Mariana.
Nesse contexto, o professor explica que o engajamento social, com participação das comunidades vulneráveis, para reivindicação dos direitos humanos é o primeiro passo para uma ação efetiva ao cuidado das pessoas excluídas dos benefícios ambientais. Reduzindo as desigualdades sociais, através de políticas públicas, a ecoansiedade é regulada.
“É preciso combater pela afirmação de direitos. Direito à participação das comunidades afetadas, sobretudo nos modelos decisórios, por exemplo, através da valorização do conhecimento gerado nessas comunidades, do conhecimento tradicional de quilombolas e indígenas.”, finaliza Ponzilacqua.
*Estagiária sob supervisão de Ferraz Jr.