Currículo inclusivo é o caminho para combater o racismo estrutural nas escolas brasileiras

O racismo estrutural e a discriminação colocam crianças e adolescentes em risco de privação e exclusão que podem durar a vida toda, o que prejudica a todos nós, segundo Catherine Russel, do Unicef

 17/10/2024 - Publicado há 2 meses
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Desenho colorido de um grupo de jovens brancos e negros numa sala de aula
O racismo no Brasil, historicamente construído e nunca enfrentado de forma sistemática após a abolição da escravatura em 1888, se tornou parte do cotidiano social – Arte sobre ilustração Portal Plenarinho e foto Tayná Schultz/Seduc-RS
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O Censo Escolar do Ministério da Educação e Cultura (MEC) apontou um aumento de 16% na matrícula de crianças pretas na educação básica em 2019. Esse dado pode sugerir um progresso no acesso à educação para a população preta, especialmente em termos de inclusão nas escolas e na superação de barreiras históricas que dificultavam a presença dessas crianças no ambiente escolar. Contudo, o contexto mais amplo de racismo estrutural ainda compromete a qualidade desse acesso e os resultados educacionais, evidenciando que o simples aumento numérico nas matrículas não resolve os desafios profundos da desigualdade racial.

Mulher branca, loira de cabelos médios, de blusa rosa e jaleco de cor creme, debruçada numa mesa com duas crianças negras ao lado
Catherine Russel – Imagem: Diana Zeyneb Alhindawi-07251/Unicef

Essa realidade é reforçada pelo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), publicado em 2022, que revela a persistência do racismo e da discriminação racial, étnica e religiosa em todo o mundo. Como destaca a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell, “o racismo estrutural e a discriminação colocam crianças e adolescentes em risco de privação e exclusão que podem durar a vida toda, o que prejudica a todos nós. Proteger os direitos de cada criança é o caminho para construir um mundo mais justo e próspero”.

Essa perspectiva global sobre os efeitos do racismo estrutural dialoga diretamente com a realidade brasileira, como aponta Raissa de Souza Bispo, graduanda e pesquisadora do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Raissa comenta que o racismo no Brasil, historicamente construído e nunca enfrentado de forma sistemática após a abolição da escravatura em 1888, se tornou parte do cotidiano social. “O racismo é uma ideologia que foi construída e naturalizada ao longo do tempo, o que afeta a forma como a sociedade brasileira enxerga grande parte de sua população. As crianças, como participantes da sociedade, aprendem a reproduzir essas práticas racistas”, observa.

Rosto de uma mulher branca de cabelos longos encaracolados, de óculos e blusa verde
Raissa de Souza Bispo – FFCLRP/Arquivo Pessoal

Ela também destaca como o racismo se manifesta nas instituições de ensino. “Há práticas institucionais que discriminam alunos negros, como punições disciplinares severas e baixas expectativas em relação ao desempenho acadêmico. Além disso, a falta de representatividade na equipe escolar agrava a formação da identidade desses alunos e reforça olhares negativos sobre eles”, acrescenta Raissa. Dessa forma, o racismo estrutural, seja no contexto global ou local, continua a impactar de maneira severa as crianças e adolescentes, perpetuando ciclos de exclusão e desigualdade.

Racismo invisível

Aline Cristina Gimenes Monti, pedagoga pela FFCLRP e pesquisadora na área, reforça essa questão ao citar exemplos cotidianos do racismo nas escolas. Ela destaca que o racismo nem sempre é visível ou verbalizado. “O simples fato de uma criança negra não receber o mesmo afeto que uma criança branca é um ato de racismo. Mas como isso é mensurado no ambiente escolar? Quando o racismo é verbal, as escolas muitas vezes apenas tentam amenizar a situação, sem enfrentar o problema de forma intencional e eficaz”, afirma.

Para Aline, essa falta de ação intencional no combate ao racismo nas escolas se relaciona diretamente com as desigualdades estruturais presentes nas instituições de ensino. Raissa avalia que as escolas públicas em áreas periféricas, majoritariamente frequentadas por crianças negras, são impactadas pela falta de recursos, infraestrutura precária e alta rotatividade de professores, fatores que perpetuam a desigualdade educacional.

Além disso, Raissa ressalta a importância de um currículo escolar inclusivo, destacando que currículos eurocentrados, que priorizam a história, cultura, valores e perspectivas dos países europeus, em detrimento das contribuições de outras culturas e povos, marginalizam a contribuição histórica e cultural da população negra, o que afeta a valorização da identidade dos alunos negros. “É importante que o currículo reflita a diversidade e a história da população negra para que essas crianças se sintam representadas como parte do ambiente escolar e incentivadas, não marginalizadas”, observa Raissa.

Rosto de mulher branca de cabelos cacheados escuros e longos
Aline Cristina Gimenes Monti – FFCLRP/Arquivo Pessoal

Complementando essa análise, Aline acrescenta que o combate ao racismo estrutural nas escolas deve ser feito por meio de ações diárias, que promovam diálogos sobre questões raciais. “Intervenções, seja por meio de leituras ou no momento de uma manifestação racista, são fundamentais. Esse é um trabalho coletivo e todos na sociedade têm essa responsabilidade”, reforça. Ela cita a educadora Petronilha Gonçalves, que questiona: “Que tipo de sociedade queremos?”, lembrando que o combate ao racismo é urgente e não pode ser adiado.

Por fim, Aline critica as metodologias escolares atuais e sugere caminhos para superar o racismo estrutural. “Precisamos avançar em ações diárias, na formação continuada de docentes e na adoção de um currículo decolonial, para romper com a visão eurocêntrica predominante nos sistemas de ensino, promovendo uma perspectiva mais inclusiva e diversa sobre o conhecimento, que leve em consideração as diretrizes da educação para as relações étnico-raciais. Apenas assim conseguiremos transformar essa estrutura”, conclui.

*Estagiário sob supervisão de Rose Talamone e Ferraz Junior


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