“Vivemos o clichê de sermos um país pacífico…”

Giselle Beiguelman lembra o incêndio do Museu Nacional e o extermínio da memória desde os primórdios da colonização

 02/09/2019 - Publicado há 5 anos

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“Assistir ao Museu Nacional ser consumido pelas chamas, há exatamente um ano, foi testemunhar um memoricídio. ‘Memoricídio’ é um neologismo que significa a intenção deliberada de destruir todos os traços de existência cultural e histórica de uma nação em um determinado território”, comenta Giselle Beiguelman em sua coluna Ouvir Imagens, da Rádio USP (clique e ouça o player acima). “Vivemos o clichê de sermos um país pacífico, de encontro dos povos. Mas isso nunca existiu. Somos um país racista, preconceituoso e misógino. Uma cultura de ódios velados e naturalizados contra os indígenas, negros, judeus, muçulmanos, homossexuais, transgêneros, nordestinos, contra as mulheres.”

A professora ressalta que a história do Brasil traz tanto o extermínio da memória como o apagamento do outro. “Ambos os apagamentos inscritos nas suas páginas desde os primórdios da colonização. Somos exímios memoricidas.”

O incêndio do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, transmitido ao vivo na noite de 2 de setembro de 2018, é, segundo assinala a  professora, uma tragédia irreversível. “O que se perdeu foi muito mais do que o prédio e seu acervo. Subtraiu-se um pedaço do conhecimento que estava reservado também às próximas gerações. E, a despeito dos louváveis esforços que têm sido feitos em torno da campanha Museu Nacional Vive, o que nós vemos ainda são as enormes dificuldades de captação de recursos e a dificuldade, que não é menor, em lidar com a estimativa da perda substancial de um dos mais importantes acervos do mundo.”

Na avaliação de Giselle Beiguelman, a tragédia do Museu Nacional revela o descaso com que o Brasil lida com o patrimônio histórico. “A cultura, e seus orçamentos ínfimos, é uma triste recorrência política. Desse ponto de vista, o incêndio do Museu Nacional é a triste metáfora dos nossos impasses. O que fica, além dos seus escombros, é a pergunta: que tipo de futuro podemos sonhar, quando desprezamos tão sistematicamente o nosso passado? E como lidar com o presente, quando nos recusamos a refletir sobre nosso passado traumático?”

Quem quiser saber mais sobre a política do memoricídio, acesse: www.desvirtual.com


Ouvir Imagens 
A coluna Ouvir Imagens, com a professora Gisele Beiguelman, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 8h, na Rádio  USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e  TV USP.

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