O médium João de Deus é acusado de abuso sexual por diversas mulheres na Casa de Dom Inácio de Loyola, onde realizava atendimentos. Relatos reunidos até o momento indicam que, depois da sessão, o médium oferecia para as vítimas atendimento particular, momento em que os abusos seriam cometidos. Já são mais de 330 denúncias coletadas pelo Ministério Público de Goiás. A semelhança dos depoimentos reforça as suspeitas contra o médium. Ele afirma que é inocente e seu advogado, Alberto Toron, questionou a demora das denúncias, realizadas 20 anos depois do supostamente ocorrido. Por que é tão difícil para as mulheres denunciarem esse tipo de abuso para que a justiça possa agir? Para falar sobre o assunto, o Jornal da USP no Ar conversou com Maria Paula Panúncio Pinto, professora de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, que foi presidente da Comissão do Campus da USP-RP para apurar denúncias de discriminação, assédio e violência contra mulheres e gêneros.
De acordo com a professora, que pesquisa o assunto, há diversos exemplos, principalmente de casos de notoriedade de abusos sexuais, de que as denúncias passam a aparecer após uma primeira vítima denunciar o caso. Ela explica que casos de assédio e abusos são assuntos demasiadamente complexos e difíceis para mulheres reportarem. “Há 330 mulheres dizendo que aconteceu, e a palavra do homem de que ele é inocente tem mais peso para muitas pessoas”, explica. Ela dá um exemplo para ilustrar essa dificuldade. Cerca de 90% das mulheres que sofrem casos de abusos dentro dos campi das universidades ao redor do mundo não denunciam o ocorrido.
Para Maria Paula, isso ocorre porque fazer a denúncia é extremamente constrangedor para a vítima, mesmo em delegacias especializadas. A forma de abordar o caso e acolher essas mulheres ainda é precária. Ela explica que a sociedade não está preparada para lidar com questões sexuais em geral. “A questão da violência desperta tudo isso quando ela é praticada contra uma mulher.”
Outro ponto que reforça esse silêncio de anos das vítimas, especificamente no caso do médium, é que se tratava de uma pessoa muito poderosa, de influência não só nacional, mas também mundial. A professora ressalta que em cerca de 90% dos casos de violência sexual, o agressor é uma pessoa conhecida. Essa condição reforça a dificuldade da vítima de discriminar a situação e entender que está sendo violentada. “As mulheres estavam em uma condição de extrema vulnerabilidade por conta do poder (de João de Deus).” No caso do médium, ela explica que a situação de ameaça entre ele e as mulheres se manifestava de forma velada, uma vez que a relação era baseada em uma forma de dependência.
Maria Paula também frisa a importância da educação sexual nas escolas, justamente para que casos como esse sejam percebidos pela vítima. A maioria das mulheres ainda sente culpa em ter sofrido agressão sexual. “A vítima nunca é responsável. Não importa que roupa estava usando, a que horas aconteceu, ou se havia bebido.”