Com a chegada das vacinas, há todo um projeto de conscientização para que as pessoas se vacinem o mais rápido possível quando estas estiverem disponíveis. Esse objetivo também passa pelas empresas, que devem conscientizar e negociar com seus funcionários, já que a recusa individual pode colocar em risco a saúde dos demais empregados. Pensando nisso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) admitiu a probabilidade de trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina, sem apresentar razões médicas justificadas, serem demitidos por justa causa. Esse ato seria a última alternativa a ser tomada se a recusa individual permanecesse.
“Da forma em que compreendo as razões jurídicas, não haveria um caso jurídico específico para justa causa nesta situação”, explica Jorge Souto Maior, professor do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região em Campinas. Souto Maior comenta que há um erro nessa atitude, pois estaríamos cobrando a vacinação de um trabalhador em uma realidade em que não temos vacinas disponíveis para todos, além de não haver uma previsão exata para se ter isso.
Imunidade Coletiva
Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, apesar de concordar com a dificuldade no abastecimento da vacina, ao lembrar que nem o grupo prioritário tem vacina suficiente atualmente, Fernando Aith, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública e do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, explica que o debate em torno disso virá em algum momento. “Pressupondo que exista a vacina, que tenha a campanha normalizada, que o Programa Nacional de Imunização tenha recobrado as suas capacidades perdidas durante este governo, e que a vacina esteja sendo dada, o Ministério Público do Trabalho, de fato, deu uma instrução apropriada ao que recomendam as melhores medidas de controle epidemiológico”, comenta Aith.
Para que se atinja o status de imunidade coletiva, a vacinação precisa ser em massa, sendo assim, Aith explica que pelo menos 70% da população precisa ser vacinada, para que se dificulte a circulação do vírus. Nesse sentido, ele concorda que o MPT foi correto em sua instrução de que o trabalhador que não tomar a vacina seja demitido por justa causa, porque este indivíduo não estaria cumprindo seu dever de cidadão com relação à sociedade e seus colegas de trabalho.
Já Souto Maior detalha que provavelmente o MPT falou sobre a questão de demissão por justa causa em um contexto maior, até de forma hipotética, e isto foi levado como uma determinação, pautando diversos debates que poderiam focar no verdadeiro problema em torno de tudo isso: a ausência de políticas públicas eficientes. Aith concorda nesse ponto e comenta que quem está substituindo alguns deveres do Estado é a própria imprensa, pois está pautando temas que são importantes para a sociedade, ao contrário do Ministério da Saúde, que falha ao tentar uma boa comunicação.
Além da questão de saúde pública, a probabilidade de demissão por justa causa pode abrir incongruências jurídicas, já que algumas empresas vão demitir por justa causa e outras não. “Você aumenta o problema, gera caos social, e não tem a repercussão de uma maior imunização. Você pune as pessoas economicamente e não obtém o resultado que se pretende. O resultado que se pretende é pelo convencimento”, conclui Souto Maior, ao explicar que o efeito pretendido não se atinge pela medida e que ela também não é isonômica em termos de cidadania, pois não abrange a população como um todo.
Ouça as entrevistas com os dois professores, que falaram sobre a instrução do Ministério Público do Trabalho que admitiu a probabilidade de trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina, sem apresentar razões médicas justificadas, serem demitidos por justa causa.
Jorge Souto Maior, professor do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região em Campinas
Fernando Aith, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública e do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP
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