Tragédia no Líbano evidencia negligência de governos

A explosão foi causada por toneladas de explosivos armazenados há anos no porto de Beirute, sem que o governo tomasse alguma providência. Os libaneses já vinham tomando as ruas para protestar contra a situação política e econômica

 12/08/2020 - Publicado há 4 anos

Após a catástrofe da explosão no último dia 4, em que morreram 150 pessoas, 6 mil ficaram feridas e centenas de milhares sem moradia, o governo libanês renunciou coletivamente. No anúncio feito pelo primeiro-ministro, o premiê Hassan Diab, ele afirmou que continuará no comando do Executivo enquanto o Parlamento escolhe um novo gabinete.

A explosão foi causada por 2.700 toneladas de explosivos armazenados há seis anos no porto de Beirute. O governo teria sido alertado em julho de que a manutenção do material poderia causar uma explosão de grandes proporções, o que aconteceu. Segundo Arlene Clemesha, professora de História Árabe do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em conversa com o Jornal da USP no Ar, a explosão tem sido descrita como a gota d’água de uma situação que já era bastante difícil. Ela afirma que “foi uma explosão de proporções catastróficas para os corpos já cansados das pessoas, ou seja, houve um impacto físico, mental, sobre o ânimo e o moral dos libaneses”.

Desde 2010 os libaneses vêm ganhando as ruas contra a situação econômica causada por uma política malconduzida. No ano passado, houve um dos momentos importantes desses protestos, a chamada Revolução de Outubro, que levou à renúncia de Saad Hariri, primeiro-ministro à época. O governo formado em janeiro, cujo primeiro-ministro, Hassan Diab, acaba de renunciar, foi fruto de uma forte articulação política do Hezbollah, de quem o grupo político de Hariri é inimigo histórico no país. “Isso se deu apesar das exigências da Revolução de Outubro por um governo de tecnocratas, de pessoas cuja credibilidade estivesse acima de questionamentos, e que não estivessem ligadas aos grupos sectários e de poder no país”, explica a professora. 

Ela aponta uma questão curiosa dessa situação: o Hezbollah, principal articulador para a formação do governo em janeiro, o qual não conseguiu atender aos reclames da população, procurou se blindar colocando Diab e seu grupo como bode expiatório. “Se vai conseguir? Talvez em pouca medida. A população está muito cansada da interferência do Hezbollah e de seus aliados na cultura e na política do país”, aponta.

Sobre a catástrofe recente, “pode haver algo a mais além da explosão, e não temos como saber neste momento, porque ainda se aguarda uma investigação minimamente independente”, afirma Arlene. O Líbano é um país onde a máfia e os grupos políticos são imensos, muito bem articulados, atuam há muito tempo e, como ela explica, a negligência é a base de toda a catástrofe. Além de o porto onde ocorreu a explosão ser bastante movimentado, há registros de cartas das autoridades portuárias querendo se desfazer do material. 

Há ainda a questão de como o material explodiu. “As principais teorias são diametralmente opostas: um lado diz que foi Israel e o outro diz que foi o Hezbollah. Pode ainda ser um acidente, justamente porque não temos informações que possam levar a uma suspeita para um ou outro lado”, explica Arlene. Para ela, as versões que culpam Israel ou o Hezbollah são tão díspares e pouco fundamentadas que se tornam conjecturas. “Me parece se tratar uma tremenda incompetência, descaso, falta de cuidado e de interesse dos sucessivos governos com o bem-estar da população”, finaliza.

Ouça a íntegra da entrevista no player.


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