Tragédia de Brumadinho revela falta de aprendizado com Mariana

Especialistas citam flexibilidade em licenças e método de construção de barragem como pontos a serem revistos

 28/01/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 07/02/2019 as 9:00

 

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Entrevista de Ferraz Júnior com o professor Paulo Artaxo:

 

Entrevista de Ferraz Júnior com a professora Ana Maria Nusdeo:

 

 

Entrevista de Ferraz Júnior com a professora Maria Eugênia Gimenez Boscov:

A barragem 1 do complexo Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, pertencente à Vale, rompeu na sexta-feira (25) por volta das 13 horas. A onda de aproximadamente 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro deixou, até o momento, 60 vítimas e 292 desaparecidos. Mas, segundo o tenente coronel Flávio Godinho, da Defesa Civil de Minas Gerais, o número de mortos deve aumentar por conta do encontro de um segundo ônibus soterrado. Anteriormente, já havia sido achado um veículo com dez vítimas. A mineradora Vale sofreu bloqueios judiciais somando R$ 11 bilhões, teve parte de suas atividades suspensas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e recebeu multas ambientais de mais de R$ 300 milhões. Ainda na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação do Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastre, para acompanhar e fiscalizar as atividades de socorro e recuperação em Brumadinho. O conselho, formado por dez ministros de Estado, conta com um Comitê de Gestão e Avaliação de Respostas a Desastre. Na manhã de sábado (26), ministros de Estado e o próprio presidente da República visitaram o local para acompanhar de perto o andamento das ações. No domingo, a tropa israelense, com 136 integrantes e mais de 10 toneladas de equipamentos para auxiliar nas buscas, chegou em Minas Gerais.

Região atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG) – Foto: Presidência da República / Divulgação via EBC

Há cerca de três anos ocorria o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. A empresa Samarco também era controlada pela Vale. Na destruição do distrito de Bento Rodrigues e do Rio Doce, a avalanche de lama contava com cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos e vitimou 19 pessoas. Para o professor Paulo Artaxo — do Instituto de Física da USP (IF-USP), membro do  Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e representante da sociedade científica no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) — o País não “aprendeu com a lição de Mariana” e ainda aponta: “Chamar de desastre ambiental é uma suavização da linguagem. Na verdade, o que a gente observou é um crime ambiental. O Brasil tem uma engenharia de construção e manutenção de barragens muito bem desenvolvida. Existem mais de 4.510 barragens aqui e, obviamente, você não vê cada uma dessas barragens vir abaixo. É muito sintomático que duas grandes barragens, na mesma região e da mesma empresa, tenham causado esse número elevado de mortes tanto em Mariana quanto em Brumadinho. Isso deixa para a gente muito claro o descaso e a irresponsabilidade que esta empresa tem com suas atividades de mineração no Brasil”.

Distrito de Bento Rodrigues após o desastre de Mariana – Foto: Romerito Pontes via Wikimedia Commons/CC BY 2.0

Na perspectiva da professora Ana Maria Nusdeo, de Direito Ambiental da Faculdade de Direito (FD) da USP e presidente do instituto O Direito Por um Planeta Verde, o licenciamento ambiental é uma das maneiras de prevenção ao meio ambiente. “Ele não é fácil para se conseguir. Hoje, ele está sob grande discussão. Existem projetos de lei que buscam flexibilizar o licenciamento, com o argumento de que ele toma muito tempo, é muito burocrático, e, portanto, seria um entrave aos investimentos. No caso das barragens, é licenciado pelo Estado. E o que se percebeu é que Minas Gerais acabou se antecipando na discussão e flexibilizou, de alguma forma, o processo. A flexibilidade tenderia a reduzir as etapas de análise de estudos e vistorias no local. Mas tem um problema mais sério, que é o enfraquecimento dos órgãos ambientais.”

A professora Maria Eugênia Gimenez Boscov, do Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica da Escola Politécnica (Poli) da USP, aponta que, para as barragens de rejeitos, existe outro método mais adequado do que o método de montante, este sendo mais utilizado por seu baixo custo. “O de jusante é muito mais seguro, porque a barragem cresce para fora e não para dentro. A cada alteamento, a barragem vai sendo construída sobre o natural, ou seja, no solo mais firme. É claro que, com isso, a barragem usa muito mais material, portanto ela fica muito mais cara. O custo de uma barragem construída por jusante é três vezes mais caro do que uma de montante, aproximadamente. Mas obviamente é muito mais seguro. Como está sendo construída em um solo firme, a barragem pode ser compactada, é possível construir filtros, drenos, ao passo que a barragem construída no terreno mais mole tem a dificuldade de criar esses elementos protetores.”

 

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