Tartarugas vivem mais por características genéticas e sistema imune eficiente

Outro fator que favorece a longevidade desses animais é seu metabolismo e ciclo de vida mais lentos

 09/03/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 14/03/2022 as 9:56
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Alterações genéticas conferiram uma grande longevidade a tartarugas como a da espécie Aldabrachelys gigantea – Foto: Wikipédia

Jonathan é uma tartaruga-gigante-de-aldabra (Aldabrachelys gigantea) e ficou famoso pela sua idade: são 190 anos de vida. Ele é considerado o animal terrestre vivo mais velho do planeta e acaba de se tornar também a tartaruga mais velha da história

Sua espécie é originária das ilhas Seicheles, mas Jonathan vive no palácio do governador da ilha britânica de Santa Helena, para onde foi levado em 1886. O animal nasceu por volta de 1832 e já superou a expectativa de vida de cerca de 120 anos para tartarugas como ele.

Por que tartarugas vivem tanto?

As tartarugas fazem parte da ordem dos quelônios e, em geral, são muito longevas, ou seja, vivem por muito tempo. Ainda são necessários alguns estudos para compreender completamente a longevidade desses animais, mas o que se sabe é que os quelônios têm características genéticas que os tornam menos suscetíveis aos efeitos do envelhecimento.

José Ribamar Ferreira-Júnior – Foto: ICB

“O envelhecimento é marcado por um declínio global das funções fisiológicas”, explica José Ribamar Ferreira-Júnior, professor do curso de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Esse declínio pode ser percebido, por exemplo, pela maior vulnerabilidade a doenças, a perda de memória e o menor vigor físico, assim como o mau funcionamento das células.

Segundo Ferreira-Júnior, esse é um processo natural em que atuam tanto a bagagem genética do indivíduo quanto a interação com o ambiente. “Indivíduos que têm uma alimentação inadequada tendem a se colocar em uma situação de risco, que se expressa na forma de envelhecimento”, exemplifica o professor. Estresses do cotidiano, como o trabalho, são fatores ambientais que também podem acelerar esse processo.

No caso das tartarugas, alterações genéticas conferiram a elas uma grande longevidade, que também é observada em mamíferos como elefantes e baleias. De acordo com Miguel Trefaut Rodrigues, professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, nos quelônios, a apoptose (morte celular) é mais eficiente e menos sujeita a erros. “Tem um processo que elimina do corpo as células que vão morrendo e mantém um conjunto ativo de células vivas que se regeneram”, afirma.

Tartarugas também têm uma grande quantidade de proteínas chamadas perforina e granzima, produzidas pelas células matadoras naturais do sistema imune inato. “Qual é a vantagem disso? Você vai ter um sistema imune inato muito bom”, explica Ferreira-Júnior. “São exatamente essas células que são responsáveis por eliminar células tumorais”, acrescenta. Esses dois aspectos fazem com que esses animais sejam menos suscetíveis ao câncer e às doenças infecciosas, comuns em indivíduos mais velhos.

Já no caso dos humanos, ao longo do envelhecimento, além de aumentada a possibilidade do desenvolvimento de câncer, o timo (órgão responsável por abastecer o sistema imunológico) perde sua capacidade. O indivíduo fica mais vulnerável a doenças infectocontagiosas. “A pessoa morre de morte natural: o sistema imune não consegue combater uma infecção por vírus, bactéria ou fungo, e o indivíduo morre”, afirma Ferreira-Júnior. 

Outro fator que favorece a longevidade das tartarugas é seu metabolismo e ciclo de vida mais lentos. Por serem animais de sangue frio, os quelônios consomem menos energia para manter a temperatura corporal, o que gera menos desgaste em suas células.

No caso específico de Jonathan, o fato de viver em cativeiro também contribuiu. Além da alimentação e dos cuidados controlados por veterinários, ele está protegido de riscos naturais como possíveis predadores.

Tartarugas-gigantes

Outros animais como Jonathan não tiveram a mesma sorte. Rodrigues conta que, durante o período das grandes navegações, naus e navios eram abastecidos com centenas de tartarugas, utilizadas como alimento. “Como esse bicho consegue passar muito tempo vivo sem se alimentar, isso era uma fonte de carne espetacular”, conta. “Essas tartarugas foram sempre superexploradas, a maior parte delas está extinta hoje”, acrescenta o professor. 

Miguel Trefaut Rodrigues – Foto: Researchgate

As tartarugas-gigantes são endêmicas de algumas ilhas, e por isso muito sensíveis a interferências ambientais e destruição dos hábitats. Além de Seicheles, existem espécies originárias da ilha de Madagascar e do arquipélago de Galápagos. Esses gigantes podem pesar até 400 kg e ter mais de um metro e meio de comprimento. Eles se alimentam principalmente de frutas e folhas, mas já foram avistadas se alimentando de carniça. Recentemente, uma tartaruga foi vista perseguindo e comendo filhotes de ave, um registro de predação até então inédito.

Rodrigues conta que esses animais levam muito tempo para se reproduzir, pois demoram para atingir a maturidade. Depois de maduros, se reproduzem várias vezes ao ano. O professor também fala sobre outra curiosidade: as tartarugas têm um fenômeno chamado fertilização retardada. As fêmeas são capazes de armazenar os espermatozoides dos machos, o que faz com que elas consigam botar ovos férteis por até dez anos sem novos contatos com um macho.

Depois de quase dois séculos de vida, Jonathan dá os primeiros sinais de velhice: ele está cego, sem olfato, e precisa ser alimentado por seus veterinários. Ainda assim, o animal dá sinais de vigor, inclusive acasalando com outras tartarugas da ilha.


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