Reforma na Lei de Lavagem de Dinheiro pretende torná-la mais efetiva

Segundo Helena Regina Lobo da Costa, integrante de comissão instaurada pela Câmara, o objetivo é aumentar o rigor técnico da lei, simplificar para tornar a aplicação efetiva e abranger a prática criminal que acomete novos mercados

 30/09/2020 - Publicado há 3 anos

Na última quarta-feira (23), a Câmara dos Deputados instalou uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de reforma na Lei de Lavagem de Dinheiro de 1998. Ao todo, 43 especialistas, entre acadêmicos, magistrados, membros do Ministério Público Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além de advogados, reúnem-se em torno dessa questão. A reforma tem gerado críticas sobre uma possível suavização, mas, segundo integrante da comissão, o objetivo é aumentar o rigor técnico da lei e simplificar para tornar a aplicação efetiva. As propostas devem ser submetidas à audiência pública.

Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, a professora Helena Regina Lobo da Costa, de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP e integrante da comissão instaurada pela Câmara, explica que a necessidade da reforma se dá devido às constantes transformações que acometem o crime de lavagem de dinheiro. A cada ano, surgem novas formas de lavar dinheiro e novos mercados utilizados para cometer o crime, o que leva à necessidade de atualizar a lei, que é de 1998 e foi reformada em 2012, mas, desde então, surgiram questões novas: “O objetivo principal é, sobretudo, o de atualizar a lei e corrigir certos problemas que surgem na sua aplicação”.

Quanto às acusações de possível suavização da Lei de Lavagem de Dinheiro, a professora informa que as críticas são apressadas, já que a comissão foi recém-instalada e os próprios membros ainda estão definindo suas ações. Helena Regina diz que simplificar a lei não é suavizar, mas, sim, tornar os aspectos que abrange mais claros para sua aplicação. “Na prática, pode levar a uma aplicação mais fácil, mais célere e sem grandes brigas nos tribunais. É deixar a lei tecnicamente mais rigorosa, o que pode levar à impressão de que foi suavizada, mas, na realidade, a lei com aplicação mais simples acaba gerando uma maior efetividade.”

De acordo com a especialista, apesar de possuir grande relevância midiática, o crime de lavagem de dinheiro não se resume apenas à Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014, mas abrange diversos setores e mercados, como o das criptomoedas, instituições financeiras, de cartões de crédito, joias e mercado de arte, que, apesar de serem regulados – exceto as criptomoedas, que ainda não possuem regulação do Banco Central do Brasil –, podem ser usados por uma parcela de seus operadores para a prática de lavagem de dinheiro. “A Lava Jato trouxe questões jurídicas importantes, mas o olhar é muito mais amplo do que isso. A lavagem é um campo de estudo muito dinâmico e, nesse período, sem alterações, o mundo da lavagem mudou, então precisamos mudar a lei.”

O crime de lavagem de dinheiro está geralmente atrelado a crimes antecedentes, como tráfico de drogas, corrupção, contrabando de bens e extorsão. A professora Helena Regina compartilha que lavar dinheiro significa ocultar ou dissimular a origem dos bens. Então, uma infração penal gera um recurso ilícito e esse recurso passa por um processo de lavagem de dinheiro e, ao final, sai com uma aparência de licitude. A lavagem de dinheiro, portanto, está atrelada ao crime que gerou o objeto. “Esse crime pode ter diversas naturezas. E, independentemente de qual é essa infração anterior, se ela produz recursos ilícitos, esses recursos podem sofrer um processo de lavagem de dinheiro.”

O Brasil é líder mundial no crime de lavagem de dinheiro, segundo dados da 11ª edição do Relatório Global de Fraude & Risco da Kroll, de 2019. Contudo, Helena Regina acredita que discutir esse tipo de dado é difícil por serem construídos a partir de presunções: “A lavagem de dinheiro é um procedimento oculto, o que dificulta medir a partir de dados públicos que tenham segurança técnica, então, tudo isso são estimativas”. Para ela, o Brasil está longe de ser um paraíso fiscal ou jurídico, porque, diferente destes, é possível ter acesso aos sócios de uma empresa na Junta Comercial e quebrar o sigilo fiscal e bancário por meio de autorização judicial, por exemplo. “Nós temos características do arcabouço normativo de um país que obedece as melhores regras relacionadas à lavagem de dinheiro, mas, de fato, há estimativa de que ocorram muitas operações de lavagem de dinheiro no Brasil.”

Ouça a entrevista na íntegra pelo player acima.


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