“Quiet Quitting”, fenômeno nas redes sociais, é uma forma de reação à vida real

Homólogo ao Burnout, o fenômeno se tornou comum entre a geração Z e é caracterizado por uma desmotivação em relação ao trabalho e ao cumprimento de responsabilidades

 01/11/2022 - Publicado há 1 ano
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Superficialmente, diz-se que é um movimento geracional que tem a ver com a falta de querer ou a desmotivação para trabalhar – Foto: Freepik

O Quiet Quitting se tornou conhecido após ganhar as redes sociais, mais especificamente o TikTok, nas quais diversos perfis compartilharam o que seria esse fenômeno e como aderir ao movimento. Em 2020, os Estados Unidos se viram frente a um movimento que ganhou o nome de A Grande Renúncia, o qual reverbera até hoje e levou 4,5 milhões de americanos à demissão voluntária só no mês de maio.

Natália Lins Brandão – Foto: Reprodução Youtube

O Quiet Quitting está, de certa forma, relacionado a essa renúncia em massa. “É um termo que, em tradução livre, quer dizer ‘demissão silenciosa’. E ele diz respeito ao comportamento de fazer o mínimo no trabalho”, explica Natália Lins Brandão, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP. Uma das causas pode ser que, no período da pandemia, as fronteiras entre horário de trabalho e horário de lazer, assim como o próprio estado físico da casa e do trabalho, acabaram se misturando. Isso levou à completa exaustão, pois a preocupação virou um trabalho de 24h por dia. Nesse período, muitas pessoas viram que seu trabalho poderia ser feito remotamente, sem perder a produtividade. 

Superficialmente, diz-se que é um movimento geracional que tem a ver com a falta de querer ou a desmotivação para trabalhar. Isso faria com que muitos trabalhadores desistissem de seus empregos ou não cumprissem com mais do que o combinado na hora da contratação. Na contramão, a demissão silenciosa é muito mais que isso. Não se trata, assim, apenas de um desânimo ou de quem opta por fazer o mínimo, mas pode ser uma resposta à cobrança excessiva de produtividade e entrega. Muitos não veem futuro na empresa em que estão empregados, estão psicologicamente separados de seu trabalho ou não satisfeitos com a descrição do cargo. Também, a maioria das pessoas que começam a agir dessa forma está procurando por novos empregos.

“Talvez o problema esteja exatamente na expectativa, por parte do empregador, de que aquela pessoa precisa sempre, a todo momento, fazer e ir além. Isso tem provocado uma reação nas pessoas, tem provocado uma reação nessa nova geração”, explica Natália.

O papel dos gestores

De acordo com um estudo publicado no Harvard Business Review, o Quiet Quitting ”tem mais a ver com a inabilidade dos gestores de manterem uma boa comunicação do que propriamente com a falta de vontade dos empregados. Confiar na sua liderança influencia muito em como se portar no trabalho e, quanto mais um líder abertamente conversa com seu subordinado, maior é o nível de confiança. Isso resulta em um sentimento de que seu trabalho tem algum propósito, que o esforço vale a pena e que o gestor se importa com seu bem-estar”.

Natália, porém, lembra que esse fenômeno não atinge a classe trabalhadora por inteiro: “Isso não é hegemônico, tem um recorte de classe”. A pesquisadora ainda salienta que pessoas que não podem escolher entre trabalhar ou não, muitas vezes não podem optar pelo Quiet Quitting.

A questão psicológica

Trabalho – Foto: Freepik

 

Segundo o estudo Work Trend Index 2021, da Microsoft, a maioria da força de trabalho está sobrecarregada e enfrenta algum tipo de problema. Entre a geração Z (pessoas que nasceram entre o final da década de 90 e início de 2010), esse número fica em 60%. Por conta disso, críticos ao fenômeno tendem a minimizá-lo ao associar tudo isso a uma questão geracional. 

Sigmar Malvezzi – Foto: IP/USP

Sigmar Malvezzi, professor do Departamento de Psicologia Social da USP, diz que o problema pode ser geracional, no sentido de que, pela velocidade com a qual a sociedade se move e está altamente conectada, as pessoas passam a ser mais inseguras de si por conta de um enfraquecimento de sua subjetificação. “É por isso que hoje muitos indivíduos terceirizam a sua vida. Então eles passam para os outros, né? É porque eles não conseguem mais superar uma insegurança cognitiva e uma insegurança emocional para se sentir um sujeito capaz de enfrentar aquilo que tem diante de si. Ele se sente enfraquecido e vai buscar muletas”, explica. 

Ao recorrer a essas muletas, que podem ser desde uma procrastinação a escutar música, o indivíduo está negando a sua realidade. “Eu nego a existência da pressão, como se eu não reconhecesse isso. E aí eu vou adaptando, colocando a minha vida no meu ritmo”, diz Sigmar. As pessoas que praticam o Quiet Quitting, então, não estão apenas se sentindo desmotivadas, mas é a forma que encontraram de lidar com a pressão externa. O professor ainda explica que se trata de indivíduos que não estão adaptados ao meio e que, por conta disso, têm maior dificuldade de lidar de forma madura com os revezes da vida. É uma reação de defesa do sujeito. 

Burnout e Quiet Quitting

“As pessoas têm diferentes formas de reagir a essa pressão externa. Uma delas é no sentido que a psicologia chama de intratensão, que dá o Burnout – doença mental decorrente de situações desgastantes no trabalho ou nos estudos –, e a outra que é de extratensão, na qual está o Quiet Quitting”, explica Sigmar.

Há dois caminhos para reagir às grandes responsabilidades e às diversas demandas do mundo atual, uma delas é o Burnout e a outra, o Quiet Quitting. “Não são complementares, iguais, ou uma a progressão da outra. Na verdade, são respostas diferentes a uma mesma situação: uma é o resultado da tensão internalizada e a outra é a forma de lidar com isso no exterior.” 

Uma pessoa pode ter tido Burnout e passar a praticar o Quiet Quitting, ou o inverso. O Burnout, por sua vez, não leva ao Quiet Quitting, nem este gera aquele: são homólogos. 


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