Proposta de Sérgio Moro tem natureza diferente de Lei Rouanet

Alamiro Salvador diz que lei aproxima financiadores privados de polos culturais, enquanto segurança pública é dever do Estado

 18/09/2019 - Publicado há 5 anos
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Com orçamento bloqueado e aumento de gastos em operações da Força Nacional e do Exército, o governo pretende buscar apoio da iniciativa privada para programas de combate à criminalidade. O Ministério da Justiça prepara medida provisória para criar o que vem sendo chamado de “Lei Rouanet da Segurança Pública”, com o abatimento no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas que fizerem doações ao Fundo Nacional de Segurança Pública.

A proposta estabelece que pessoas físicas poderiam abater até 60% das doações no Imposto de Renda. A verba ajudaria os Estados na compra de armas e equipamentos destinados às polícias Civil e Militar, na melhoria das 1.100 Guardas Municipais existentes, além da criação de novos contingentes nas cidades. Para o professor Alamiro Velludo Salvador, do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP, a iniciativa não faz muito sentido, já que a segurança pública é um dever do Estado, de acordo com o artigo 144 da Constituição.

“A Lei Rouanet foi criada para aproximar a iniciativa privada e os financiadores dos polos de produção cultural que buscavam financiamento. O Estado faz o meio-campo”, esclarece o jurista ao Jornal da USP no Ar. No caso da segurança, o governo já dedica parte de seu orçamento  a essa atividade. “Seria uma espécie de priorização que o contribuinte daria para uma parcela do seu tributo. A comparação é imprópria”, alega. O docente ainda levanta que essas verbas poderiam ser alvo de contingenciamentos, porque continuariam no aparelho público.

Além disso, o professor critica a postura do Ministério da Justiça ao se restringir às compras de armas, pelo menos no discurso. “É uma visão, no mínimo, parcial”, aponta. O tema segurança assume dimensões similares às de guerra no debate brasileiro, segundo Salvador. “Sempre se fala de maior capacidade bélica. Não que arma não seja importante, mas por si só não resolve”, declara.

O especialista lista a carência de aparatos de inteligência como uma urgência do setor.  “Na tradição histórica brasileira e no artigo 144 da Constituição, se estabelece uma principal força de Segurança Pública, a polícia militar, que vemos nas ruas todo dia”, conta. Tanto a polícia militar como a civil são estaduais, logo comandadas e financiadas por suas unidades federativas. De acordo com Salvador, traçar um projeto comum e harmônico entre essas diversas forças seria “muito mais importante que comprar um canhão ou uma metralhadora. Talvez até uma estratégia acadêmica. Ocorreu em Chicago, nos anos 20 do século passado, a instituição de uma polícia comunitária. Os oficiais passaram a frequentar certas regiões carentes”, sugere o jurista. Dessa maneira, se incentivou a criação de um laço de confiança entre essas comunidades e os policiais. A criminalidade caiu. “No Brasil, o cidadão da periferia tem desconfiança das forças”, analisa.

O ministro Sérgio Moro defende também o estabelecimento de uma guarda nacional. “Nesse caso, envolveria uma emenda constitucional. A legislação determina quais são os corpos policiais. Assim, essa nova instituição deveria ser inserida na Constituição”, esclarece Salvador. Por isso, essa proposta, ao chegar no Congresso Nacional, encontraria certa dificuldade. “Precisaria ser aprovada em vários turnos, e de quórum especial”, argumenta.


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