Procura-se objeto histórico perdido: moenda pode ajudar a mapear “DNA” de ferro brasileiro

Utilizada para moer cana-de-açúcar, moenda de ferro desaparecida desde 1971 fez parte da rotina de trabalho do Brasil desde muito antes da nossa República, conta o professor Fernando Landgraf

 01/04/2022 - Publicado há 2 anos
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Alto forno da Real Fábrica de Ferro de Ipanema – Foto: Rubens Hardt via Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0

 

“Procura-se um objeto histórico, de 1841, que foi visto pela última vez no Ibirapuera, em 1971, e que sumiu dos olhos do público. Será que alguém tem notícia de seu destino?”

Com esse apelo, o professor Fernando José Gomes Landgraf, do Departamento de Engenharia Metalúrgica de Materiais da Escola Politécnica (Poli) da USP, entrou em contato com a Rádio USP. O objetivo não poderia estar mais claro: “Dois anos atrás, enquanto pesquisávamos canhões fundidos na Fábrica de Ferro de Ipanema, encontramos referência à presença de uma moenda de cana feita na mesma fábrica, exposta na exposição histórica do IV Centenário, em 1954”, conta ele.

A moenda é, como o nome sugere, uma máquina de moer ou triturar, um moinho. Muito utilizada para moer cana-de-açúcar e grãos de café, a moenda desaparecida fez parte da rotina de trabalho do Brasil desde muito antes da nossa República.

Como lembra o professor, até meados do século 19, a produção de açúcar imperava no território nacional. Para transformar a cana bruta no produto exportável, muitas tecnologias foram implementadas. Inicialmente, as moendas eram feitas de madeira e colocavam em risco todos aqueles que as utilizavam. Foi aí que os ingleses, em suas colônias no Caribe, introduziram uma nova versão, feita de ferro.

“Essa nova moenda era de três cilindros na horizontal, um cilindro em cima e dois embaixo. Você enfiava a cana por um lado e tinha uma guia de ferro embaixo que empurrava a cana para o outro lado, isso diminuía a mão de obra e diminuía o problema horroroso de perder essa mão de obra no processo”, esclarece Landgraf.
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Publicação sobre a moenda no Jornal do Museu de Ciência – Foto: Reprodução/MC

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Na trilha do ferro, surge a arqueometalurgia

Fernando José Gomes Landgraf – Foto: Cecilia Bastos/USP Imagens

Um dos destaques sobre a moenda desaparecida envolve o local no qual ela foi fabricada, a notória Fábrica de Ferro de Ipanema. A produção dessa fábrica é alvo de estudo do grupo do professor Landgraf. Muito do ferro que saiu de lá pode estar presente na cidade de São Paulo até hoje.

“A Fábrica de Ferro de Ipanema era a única siderúrgica em funcionamento no Brasil ao longo de praticamente todo o século 19. Era um investimento do governo para garantir que tivéssemos uma fonte em caso de uma guerra ou um bloqueio em inglês”, explica o especialista. A ideia era que a fábrica produzisse canhões e munições aqui mesmo no Brasil. Entretanto, além de armas, ela também produziu as moendas.

Um desses objetos, localizado pelo grupo, foi visto pela última vez na capital paulista, numa exposição histórica em cartaz nos anos 1950. De acordo com relatos coletados, o objeto permaneceu ali até 1971, quando foi, possivelmente, doado pelo professor Aristóteles Orsini, diretor do então Museu de Ciência, localizado no Ibirapuera.

Caso seja encontrada, a moenda poderá ser devidamente identificada graças ao campo da arqueometalurgia, uma das especialidades do professor Landgraf. “O que a gente faz é pegar um pedacinho de um objeto arqueológico e levar no microscópio eletrônico. É como se a gente buscasse algo como uma carteira de identidade, um ‘DNA’ e, no caso, nós já temos um palpite do que seria o ‘DNA’ de Ipanema”, conta ele.

O achado vai permitir que o grupo rastreie outras amostras de metal que podem ter sido originadas pela fábrica. A ideia é “testar em coisas que estão perdidas e que a gente não sabe se são de Ipanema ou não. Por exemplo, a grade da Estação do Parque da Luz, na capital paulista”.

Nos últimos anos, o time do professor tem buscado a moenda em diversos lugares, desde institutos de pesquisa e até mesmo na própria USP, no campus de Piracicaba. Entretanto, até agora, o objeto de seis toneladas, que possui uma placa fundida nela, com data de fabricação impressa (1841) explicitando “4ª máquina brasileira”, permanece desaparecido.

Quem tiver informações pode entrar em contato com o professor Fernando José Gomes Landgraf pelo e-mail f.landgraf@usp.br.


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