Primeiros Laços traz resultados na prevenção de transtornos mentais

Eurípedes Miguel diz que um dos resultados do projeto foi o aumento do apego seguro entre mãe e filho, protetor da saúde mental

 03/10/2019 - Publicado há 5 anos
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Seguindo com o especial sobre a contribuição da Medicina USP, o Jornal da USP no Ar traz, hoje, os projetos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), criado em 2009. O instituto tem como missão implementar um programa que articula geração de ciência e tecnologia, desenvolvimento de recursos humanos e transferência de conhecimento para a sociedade na área de saúde mental infantil. O Jornal conversa com seu coordenador, Eurípedes Miguel, que também é chefe do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da USP, responsável pelo Programa Primeiros Laços, e com Guilherme Polanczyk, membro do American College of Neuropsychopharmacology e professor adjunto da Yale University.

O INPD possui dois grandes projetos focados no desenvolvimento infantil. Um deles é o Programa Primeiros Laços, uma intervenção baseada num programa de visitação domiciliar por enfermeiros com mães adolescentes e seus filhos em condições adversas. O outro é a Coorte de Alto Risco, um estudo de neurociência populacional que utiliza um desenho de coorte acelerado para mapear o desenvolvimento de 2.500 crianças. Importantes fatores de risco e marcadores biológicos para transtornos mentais já foram identificados.

A concepção do instituto surgiu em parte de uma realidade atual: a sociedade está mais preocupada com a saúde mental. Os transtornos mentais, geralmente, começam na infância e têm uma evolução crônica. Os indivíduos portadores dessas doenças apresentam maior dificuldade no desempenho escolar, chegando, inclusive, a alterações cognitivas e redução de QI. Na vida adulta, há também maior probabilidade de ocorrência de doenças cardiovasculares e sistêmicas, o que resulta em “morte prematura, independente do alto nível de suicídio que essas pessoas também apresentam”, esclarece Eurípedes Miguel.

“Nossa proposta era fazer algo para mudar esse cenário”, conta Miguel sobre a idealização do INPD. Como os transtornos mentais são doenças crônicas, “pensamos em utilizar (de forma análoga) os modelos de outras áreas da medicina, como a cardiologia”, explica o coordenador, “onde há a intervenção no indivíduo antes dele ter o infarto. Ou seja, intervenções antes da doença aparecer, ou para que ela apareça de maneira atenuada”.

Foram iniciados projetos para identificar indivíduos em situação de risco. Uma vez localizados, há um trabalho para minguar as ameaças, aumentando a chance de o paciente não desenvolver a doença. Existe também um trabalho para identificar elementos protetores, isto é, “fatores que podem proteger o indivíduo de ter a doença. Foi nessas duas linhas que pensamos para direcionar nossos projetos”, esclarece Miguel.

O Primeiros Laços opera com uma população de risco, jovens pobres, com baixa escolaridade e com baixo acesso aos serviços de saúde, a fim de promover uma melhora não apenas na qualidade de vida dessas jovens e de seus filhos, como também no capital humano do País. Foi observado que os filhos dessas adolescentes, com idade média entre 14 e 19 anos, têm maiores chances de desenvolver transtornos mentais.

Logo, “essas crianças vão ter, ao longo da vida, maior dificuldade de neurodesenvolvimento, refletindo em menor QI”, conta o responsável pelo projeto, e acrescenta: “Elas também possuem maior taxa de evasão escolar, sofrem mais abuso e violência e chegam à idade adulta com maiores dificuldades de arrumar emprego”.

A proposta do projeto é investir nessa população de risco para mudar essa realidade. Para isso, o atendimento às mães ocorre nos primeiros momentos da gravidez até o segundo ano de vida da criança. O doutor Eurípedes Miguel explica que o projeto não é apenas da Faculdade de Medicina, mas sim da USP, envolvendo outras unidades da Universidade, como a Escola de Enfermagem (EE).

Há também orientações de como as mães podem estimular cognitivamente seus filhos, permitindo um desenvolvimento neuropsicomotor mais adequado. Miguel relata que, ao final de um ano, foi possível observar diferenças significativas entre as crianças que passaram pelas intervenções e o grupo controle. O responsável pelo projeto conta que um achado relevante foi o aumento do apego seguro, vínculo entre mãe e filho, fator importante na proteção da saúde mental.

Miguel fala da possibilidade de transformar o Primeiro Laços em tecnologia capaz de ser implementada como política política. O projeto está passando por estudos de eficácia com 100 mães. A próxima fase é o estudo de efetividade, mas, para isso, o médico explica que serão necessárias outras populações.


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