No Vale do Silício, um bom mantra pode ser o começo de uma trajetória meteórica. Entretanto, quando o sucesso é alcançado em escala planetária, escapar daquela primeira intenção torna-se quase impossível.
Se o Google, fundamentado na ideia de “não ser mau”, sofre para organizar a informação do mundo sem ser afetado pelos vieses inconscientes de seus gestores e programadores, a Apple, que tem como principal norteador o mantra “pense diferente”, depois de se transformar em uma das empresas mais ricas do mundo, atualmente se apoia em versões só discretamente diferentes dos seus produtos mais vendidos.
Já o Facebook, nascido a partir do mote “mova-se rápido e quebre as coisas”, vê sua velocidade de crescimento cada vez mais reduzida, enquanto sua capacidade de destruição cresce exponencialmente.
Nesta semana, no evento conhecido como Facebook Connect, o CEO Mark Zuckerberg conduziu uma apresentação de uma hora e meia para anunciar que, a partir de agora, o nome da empresa passaria a ser Meta.
Ainda que a rede social Facebook permaneça com a mesma nomenclatura, a holding que a mantém, assim como seus vários outros produtos, incluindo o Instagram e o WhatsApp, se desvincula do carro-chefe para englobar uma “nova” identidade e filosofia de conexão.
A mudança foi acompanhada por um novo logo corporativo, uma espécie de modernização do símbolo do infinito, e seguida por uma fanfarra de promessas ousadas envolvendo o conceito de “metaverso”, que a companhia pretende implementar nos próximos anos.
Para Carlos Eduardo Lins da Silva, jornalista, professor e colunista do Jornal da USP, a mudança não foi precipitada pela mais recente crise de imagem envolvendo o Facebook nos últimos anos. “Talvez (a crise) possa ter apressado um pouquinho o anúncio, mas a ideia foi maturada faz bastante tempo”, comenta.
De fato, no começo deste ano, em entrevista exclusiva ao site The Verge, Zuckerberg já havia adiantado seus planos de transformar a rede social em uma “empresa do metaverso”. Não por acaso, em 2021, de acordo com o The New York Times, o Facebook e seus aplicativos irmãos permanecem como um negócio gigante, gerando em torno de 86 bilhões de dólares em lucro e atendendo mais de 3,5 bilhões de pessoas no mundo.
Entretanto, neste mesmo ano, a empresa enfrentou uma de suas maiores crises até então. Os chamados The Facebook Files, uma série de relatórios internos vazados para um conglomerado de jornais como o The Wall Street Journal e o próprio NYT, foram alvo de escrutínio ao redor do mundo. Denunciando diversas práticas danosas de engajamento, os documentos culminaram na revelação de sua principal whistleblower, Frances Haugen, uma ex-funcionária do Facebook, que vazou as informações internas na tentativa de elucidar o quanto a empresa sabia sobre os efeitos prejudiciais que exercia sobre seus usuários.
O resultado dos vazamentos gerou ainda mais antipatia para a empresa de Zuckerberg, considerando que o escândalo atual não foi o primeiro e, de acordo com especialistas que ainda mergulham nos The Facebook Files, não será o último.
O que é o metaverso?
Em meio ao caos, a mudança de nome e de foco enquanto companhia não é surpresa no mundo corporativo. Nesta semana, não foram poucas as comparações da imprensa e de analistas do mercado com outras tentativas de maquiar má reputação com uma mudança cosmética.
Empresas como a British Petroleum nos anos 1990 e a Philip Morris em 2003 utilizaram estratégia similar diante de diferentes crises de reputação. O próprio Google é frequentemente citado quando o assunto envolve rebranding já que, em 2015, para desviar o foco das denúncias de antitruste tanto em solo americano, quanto internacionalmente, alterou o nome de sua holding para Alphabet.
Mas, para os analistas, escapar de crises de relações públicas não é o único motivo pelo qual Zuckerberg abraçou Meta como novo nome. Ser um dos primeiros a embarcar na ideia de metaverso e comercializar essa ideia pode ser o segredo da longevidade da rede social no futuro.
A ideia, no entanto, não é nova e muitas empresas correm atrás de sua própria versão. A verdade é que a noção de metaverso é uma espécie de sonho/pesadelo reproduzida com muito sucesso no coração da ficção científica desde os anos 1980 e 1990. Um de seus mais conhecidos expoentes é o metaverso criado pelo autor americano Neal Stephenson no livro Snow Crash, de 1992.
Também conhecido como Nevasca no Brasil, a obra satiriza a realidade virtual imaginada por autores como William Gibson, no clássico Neuromancer, lançado em 1984, e imagina a internet como uma espécie de rua digital, onde cada usuário navega como em um espaço físico, inundado por informação de forma quase anárquica, e que serve de refúgio para um mundo disputado por corporações que criaram seus próprios bairros e cidades.
Fato é que, seja em Neuromancer, Nevasca ou na obra para jovens adultos Jogador Nº 1, escrita por Ernest Cline e lançada em 2011, o metaverso (ou Oasis, batizado por Cline) é uma realidade artificial que serve de escape para protagonistas acuados por um mundo extremamente desigual e distópico. O virtual, na ficção, serve como metáfora para que os protagonistas possam refletir sobre as falhas da realidade.
Em busca da fonte de juventude
Ainda que Zuckerberg não preconize o sucateamento do mundo real, embora sua rede social tenha, nos últimos anos, involuntariamente colaborado para prejudicar as instituições que sustentam este mesmo mundo, seu metaverso quer fazer o mesmo que as contrapartes ficcionais: atrair um público jovem e antenado. E este talvez seja o verdadeiro segredo por trás da mudança de foco corporativa.
“O Facebook é uma marca ainda de grande prestígio, mas em evidente declínio. É muito impressionante quando vemos os números de quais são as plataformas de redes sociais que os jovens preferem, neles o Facebook está queda faz bastante tempo e essa queda tem acelerado”, lembra Lins da Silva.
Em março deste ano, um time de cientistas de dados apresentou ao Facebook uma série de relatórios sobre o uso da rede e do Instagram entre adolescentes e jovens adultos. Ainda que o Instagram tenha permanecido em alta com os jovens, o engajamento com a rede foi considerado em queda em mercados valiosos para a empresa, tais como Estados Unidos, Austrália e Japão. Não bastando isso, a idade dos usuários tem aumentado rapidamente.
Em artigo sobre o assunto, que revelou os dados da apresentação para o mundo, especialistas afirmam que “a maioria dos jovens adultos enxerga o Facebook como um lugar para pessoas de 40 a 50 anos. A rede é vista por esse público como maçante, negativa e irrelevante”.
Reverter este que pode ser considerado o “beijo da morte” para a grande maioria das empresas de tecnologia nos EUA está certamente nos planos do Facebook e seu metaverso pode ser a grande ideia que a corporação desesperadamente tem perseguido.
Sobre isso, Lins da Silva alerta: “Nenhum veículo de comunicação sobrevive sem público jovem”.
Garantir a sua implementação tecnológica e preservar a privacidade dos usuários no processo são alguns dos inúmeros desafios envolvendo a empreitada. Além disso, centralizar esse novo tipo de rede ao redor de uma única empresa certamente vai contra a ideia original de uma Internet descentralizada e sem dono, o que pode se provar uma tarefa extra na hora de convencer usuários a adotarem um novo método de conexão.
Se tudo isso vai funcionar, nem mesmo a ficção científica pode responder, mas até hoje, suas previsões estão longe de serem positivas.