Otimismo com crescimento econômico ainda carrega muita ilusão

Paulo Feldmann analisa questões que passam despercebidas ao ver índice de desemprego e taxa Selic caírem

 01/08/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 29/10/2019 as 9:50
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Quem olhar rapidamente as últimas notícias sobre economia pode facilmente criar um sentimento otimista quanto à situação nacional. Recuo da taxa de desemprego, quase um milhão e meio de ocupados a mais no mercado de trabalho, redução da taxa básica de juros e retomada dos trabalhos no Congresso para discutir reformas substanciais. Porém, uma série de questões está passando despercebida ou sendo deixada de lado, explicou em entrevista ao Jornal da USP no Ar o professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.

Por exemplo, a taxa de desemprego calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta uma queda de 0,7% em relação ao trimestre anterior, atingindo a marca de 12% no trimestre que se encerra em junho. Feldmann ressalta que esta notícia aparentemente boa veio acompanhada de outra notícia importante, de que pouco se falou. “A renda média caiu bastante, 1,3% de um ano para cá. Se considerarmos que nesse período houve uma inflação em torno de 5%, a queda da renda média se mostra ainda maior, algo em torno de 6%. Ou seja, as pessoas estão com menos renda para consumir.”

Além disso, ele chama a atenção para a relatividade do dado, uma vez que boa parte dos empregos gerados é precária e informal. “Cresceu muito a quantidade de pessoas que vivem hoje a serviço de aplicativos de celular fazendo entregas ou transporte. Essa pessoa não é considerada desempregada nos critérios do IBGE, mas o emprego que ela conseguiu é muito pior do que ela tinha em anos anteriores.” O assombroso crescimento do trabalho informal mascara a queda da taxa de desemprego.

Após 16 meses, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu de 6,5% para 6% ao ano a taxa básica de juros, a taxa Selic. Para o professor, a queda é natural e inclusive deveria ter sido maior, uma vez que não faz sentido se manter taxas altas em uma situação onde não há consumo. Porém, o único efeito garantido até então é uma menor remuneração em aplicações. “Se você for a um banco e tentar obter um empréstimo, você vai continuar pagando em torno de 100% ao ano. Essas taxas continuam muito altas. O Banco Central deveria atuar forçando uma redução nas taxas de juros para empréstimos tanto para pessoa física quanto jurídica. É muito ilusório achar que agora que a Selic caiu para 6% o Brasil vai crescer”, comenta Feldmann.

Na quarta-feira, dia 1°, o Congresso retomou as atividades após o chamado “recesso branco”. Existe a expectativa da continuidade no processo de aprovação da reforma da Previdência e um possível avanço nas discussões sobre uma reforma tributária. Se aprovada de fato, o professor vê na reforma previdenciária a possibilidade de haver pela primeira vez um resultado positivo no caixa do governo. “Talvez realmente se consiga os 100 bilhões de reais por ano que o governo federal almeja. Isso porque a previdência é um grande sorvedouro dos impostos arrecadados.”

No que diz respeito a uma reforma no modelo de tributação do País, Feldmann acredita ser imprescindível a discussão da “injustiça tributária”. Ou seja, pessoas muito ricas têm uma alíquota menor do que as pessoas pobres ou de classe média. O professor explica que há algum tempo foi realizado um estudo na FEA em que mostraram que “não faz sentido que a classe média pague mais impostos do que as famílias muito ricas”.

Os possíveis projetos de reforma que foram discutidos até então escantearam esta questão. Ele comenta que há um grande potencial de arrecadação para o país neste tipo de tributação que é comum em praticamente todos os países desenvolvidos. Na Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre herança é de quase 50%, enquanto no Brasil existe apenas um imposto estadual de 4%. “Impostos sobre herança e sobre riqueza podem atenuar a necessidade de se aumentar impostos em outras áreas”, conclui.


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