Traumas na infância podem ser velados e a família não perceber

A família pode não perceber os traumas a partir das mídias eletrônicas que exibem padrões de violência, diz especialista

 07/08/2018 - Publicado há 6 anos
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O Saúde Sem Complicações desta semana aborda o impacto do trauma no desenvolvimento da criança. A entrevistada é a professora Maria Beatriz Martins Linhares, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Prevenção de Problemas de Desenvolvimento e Comportamento da Criança (Lapredes) e membro do Núcleo Ciência pela Infância.

Segundo Maria Beatriz, trauma é um acontecimento extremamente estressor que desestabiliza o organismo e interfere no desenvolvimento da criança. Pode ser definido como aquela situação em que a criança ainda não tem repertório para lidar, ou aquela em que traz ameaça ou lhe tira o equilíbrio. Isso tudo sem uma pessoa ao lado que a proteja e neutralize os efeitos. “Esses eventos são considerados tóxicos, como, por exemplo, a violência urbana e a familiar”, diz a professora.

A professora lembra que, dependendo do momento do desenvolvimento, a criança exibe sinais de que está passando por algum evento estressor. “O bebê, por exemplo, vai reagir com o repertório que tem, como o choro, a falta de apetite, a reação diante das pessoas. Já as mais velhas, que já frequentam escolinha, podem ter reações de alterações no comportamento, dificuldade de relacionamento com os pares, aumento da agressividade, não querer ficar na escola, começam a ter reatividade e comportamento que difere do que é normalmente padrão.”

Dependendo da idade, diz Maria Beatriz, a criança vai reagindo e apresentando sintomas que são pistas importantes para entender se algo está interferindo no seu desenvolvimento. “Na fase escolar pode ter alteração de desempenho escolar, conflitos e dificuldades de relacionamento com os pares”, acrescenta.

A professora diz ainda que também está inserida nessas reações a sintomatologia emocional. “A criança exibe sinais de mais medo, tristeza, ansiedade e estado constante de vigilância. Por isso é importante observar o padrão de comportamento das crianças no dia a dia.  Essas são grandes pistas para os cuidadores identificarem se existe alguma fonte estressora, que pode ser ou não evidente”, afirma.

Para a professora, um dos eventos que mais preocupam são os comportamentos abusivos e violentos presentes no dia a dia das crianças, como a violência física, a verbal (psicológica) e sexual. Alguns podem ser explícitos, outros não”.  Esses eventos, diz, podem estar presentes a partir da própria mídia, dentro de casa. “A família não reconhece que seu ambiente é violento, como, por exemplo, manter uma casa onde a criança tem livre acesso às mídias eletrônicas que exibem padrões de violência.” Outro trauma que também pode ser velado, de acordo com a pesquisadora, é o bullying na escola. “É importante identificar essas fontes de violência.”

Criança e o contexto do desenvolvimento são indissociáveis, “pois quando se olha a criança, se olha todos os alicerces do desenvolvimento, que são fontes de proteção, mas também de estresse e de risco. O fato da criança ser criada pelo pai e pela mãe ou de estar na escola ou creche não asseguram um desenvolvimento de qualidade. Por isso é preciso estar atento e isso é sistêmico, envolve todos os ambientes da criança, família, amigos, escola”.

Maria Beatriz afirma que não se apaga um evento traumático, mas se consegue transformar o impacto negativo desse risco, “transformar para um processo de resiliência”.

Toda a população está convidada a participar do Saúde sem Complicações, tirando dúvidas sobre saúde ou encaminhando sugestões de assuntos para novas discussões pelo e-mail imprensa.rp@usp.br. O Saúde Sem Complicações é produzido e apresentado pela locutora Mel Vieira com trabalhos técnicos de Mariovaldo Avelino e Luiz Fontana. Direção: Rosemeire Talamone.

Ouça acima o programa na íntegra.

 


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