Núcleo de políticas públicas de segurança permanece ancorado no passado

Sérgio Adorno ressalta a necessidade da especialização de policiais para o atendimento às diferentes modalidades em que a violência se apresenta na sociedade

 02/09/2020 - Publicado há 4 anos

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O Jornal da USP no Ar recebeu Sérgio Adorno, professor titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenador do Centro de Pesquisa Inovação e Disseminação do Conhecimento (Cepid), sediado no Núcleo de Estudos da Violência (NEV), para concluir o especial sobre segurança pública, com foco especialmente na violência policial.

Questionado a respeito da resolução da violência policial no Brasil, o professor afirma estarmos longe disso, na medida em que esse quadro é quase estrutural. “Para se chegar a um controle rigoroso da ação da polícia, leva duas, três décadas, e isso depende de um compromisso entre os governos. Não se poderia romper com a política que estava sendo desenvolvida antes da mudança de governos, o que, consequentemente, atrapalha nesse controle”, explica. 

A leitura de Adorno é de que o perfil do crime e dos crimes violentos na cidade de São Paulo e no Brasil, de maneira geral, mudou nos últimos 30 anos. Segundo ele, a criminalidade era constituída de furtos, roubos e homicídios decorrentes de relações interpessoais e, eventualmente, tentativas de roubo, “uma delinquência como havia em várias partes do mundo”, afirma. 

A mudança no perfil consistiu no aumento dos crimes violentos, que, de 20%, passaram a representar mais de 30% de todos os crimes contra pessoas. Ele ainda reforça que o crescimento da criminalidade se deu quantitativa e qualitativamente. “Vemos, hoje, ações que acabam se valendo de excessiva força para a resolução de conflitos que poderiam ser resolvidos por meios outros.”

A esse quadro, de acordo com o sociólogo, soma-se a chegada do crime organizado, “ou pelo menos uma certa modalidade do crime organizado em torno do tráfico de drogas”, que ocupa sobretudo bairros da periferia das regiões metropolitanas do Brasil. “Em linhas gerais”, explica Adorno, “os crimes cresceram, mudaram de perfil, passam a usar de alta tecnologia, e o sistema de justiça continua operando como há 30 anos. Aumentou o fosso entre a eficiência das políticas públicas de segurança e a capacidade do Estado de oferecer segurança e sensação de tranquilidade aos cidadãos”.

Gerou-se, então, um congelamento de políticas absolutamente tradicionais: violência se combatendo com mais violência e polícia usando da força porque precisaria conter a força dos criminosos. “Cria-se um ciclo de vingança, com criminosos tomando a polícia como inimigo e a polícia que tem de liquidar o que é visto como inimigo”, diz o professor, segundo o qual existem arbitrariedades nesses casos. Ele reitera que, apesar de a polícia ter a prerrogativa constitucional do uso da força, o papel dela é mobilizar – sem abuso ou violência, a fim de criar condições para permitir inquéritos e processos. 

Adorno comenta ainda sobre os poucos recursos, as péssimas condições de trabalho, especialmente na Polícia Civil, e a falta de planejamento estratégico, como treinamentos, que prejudicam a boa atuação desses profissionais. “A liberação de recursos é essencial para que exerçam seu papel, mas nada justifica a violência que vitimiza principalmente jovens, sobretudo jovens negros. Isso tem de ser combatido, esse racismo institucional que faz parte do racismo estrutural”, afirma.

O professor finaliza, ressaltando a importância de se discutir questões relacionadas à segurança pública e à violência policial. “A política de segurança é complexa, porque lida com várias modalidades de violência. Não há uma fórmula única”, afirma. Nesse sentido, ele diz que há necessidade de policiais especializados, a fim de usar determinadas políticas para modalidades distintas de violência. “É difícil. Acredito que houve mudanças, no entanto, o núcleo duro das políticas de segurança permanece ancorado no passado. Isso precisa ser repensado”, completa.

Ouça a íntegra da entrevista no player.


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