O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, e o primeiro-ministro, Boubou Cissé, foram presos no último dia 19 pelas Forças Armadas do país. Em um pronunciamento, realizado pouco após a prisão, o chefe de Estado renunciou ao cargo e dissolveu o Parlamento. O golpe — de acordo com a professora Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP — tem motivações semelhantes às da ação militar que tomou o poder no país em 2012.
“Alguns fatores dessa crise política já se punham naquela época (2012) e foram piorando ao longo desses quase oito anos: a instabilidade da segurança no norte e no centro do país, uma estagnação econômica, uma reclamação por parte da oposição e de populares contra corrupção e uma insatisfação muito grande em relação à anulação do Tribunal Constitucional”, comenta a especialista em história da África.
A postura do governo em relação às eleições legislativas do país, ocorridas em março, foi a gota d’água para o motim. A despeito da pandemia, o governo decidiu por realizar o pleito, o que desagradou a oposição e parcela da população. Além disso, após a votação, parte dos resultados foi anulada pelo Tribunal Constitucional, levando o partido do presidente a se tornar o maior bloco do Congresso.
O desgaste do Executivo, no entanto, tem raízes em uma questão de segurança. Como explica Leila, “decorre do conflito com o núcleo de rebeldes Tuaregues, que não são árabes, são berberes. Eles declararam, em 2012, independência em uma área no norte do Mali, uma área chamada Azauade; essa área não é pequena e conta com diversas riquezas minerais”. A região foi tomada há oito anos pelo Movimento Nacional de Libertação do Azauade, porém, órgãos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a UE (União Europeia) não reconheceram a independência, o que gera um grande desconforto no centro e no norte do Mali.
Segundo a Human Rights Watch, pelo menos 456 civis foram mortos e centenas foram feridos em decorrência de tais conflitos, somente no ano passado. A violência já provocou o deslocamento forçado de, ao menos, 218 mil pessoas dentro do país, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. A avaliação dos militares e de parte da população é de que o presidente Keita não conseguiu lidar com os conflitos que estão na origem desse efeito bola de neve.
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