Golpe no Mali tem raízes em ação militar imposta no país em 2012

Para Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, as principais motivações do golpe do dia 19 já estavam postas há oito anos. A gota d’água foi a anulação do Tribunal Constitucional

 02/09/2020 - Publicado há 4 anos
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Fotomontagem/Jornal da USP

O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, e o primeiro-ministro, Boubou Cissé, foram presos no último dia 19 pelas Forças Armadas do país. Em um pronunciamento, realizado pouco após a prisão, o chefe de Estado renunciou ao cargo e dissolveu o Parlamento. O golpe — de acordo com a professora Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP — tem motivações semelhantes às da ação militar que tomou o poder no país em 2012.

“Alguns fatores dessa crise política já se punham naquela época (2012) e foram piorando ao longo desses quase oito anos: a instabilidade da segurança no norte e no centro do país, uma estagnação econômica, uma reclamação por parte da oposição e de populares contra corrupção e uma insatisfação muito grande em relação à anulação do Tribunal Constitucional”, comenta a especialista em história da África.

A postura do governo em relação às eleições legislativas do país, ocorridas em março, foi a gota d’água para o motim. A despeito da pandemia, o governo decidiu por realizar o pleito, o que desagradou a oposição e parcela da população. Além disso, após a votação, parte dos resultados foi anulada pelo Tribunal Constitucional, levando o partido do presidente a se tornar o maior bloco do Congresso.

O desgaste do Executivo, no entanto, tem raízes em uma questão de segurança. Como explica Leila, “decorre do conflito com o núcleo de rebeldes Tuaregues, que não são árabes, são berberes. Eles declararam, em 2012, independência em uma área no norte do Mali, uma área chamada Azauade; essa área não é pequena e conta com diversas riquezas minerais”. A região foi tomada há oito anos pelo Movimento Nacional de Libertação do Azauade, porém, órgãos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a UE (União Europeia) não reconheceram a independência, o que gera um grande desconforto no centro e no norte do Mali.

Segundo a Human Rights Watch, pelo menos 456 civis foram mortos e centenas foram feridos em decorrência de tais conflitos, somente no ano passado. A violência já provocou o deslocamento forçado de, ao menos, 218 mil pessoas dentro do país, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. A avaliação dos militares e de parte da população é de que o presidente Keita não conseguiu lidar com os conflitos que estão na origem desse efeito bola de neve.

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