Estudo americano sugere que vacinas existentes podem ativar memória imunológica

Para a professora Ana Marli Sartori, não há evidências de que o uso dessas vacinas seja eficaz na proteção contra o coronavírus

 22/06/2020 - Publicado há 4 anos
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Um estudo da Universidade de Maryland (EUA), publicado na revista Science, sugere a possibilidade de vacinas já existentes ajudarem no combate da covid-19. Principalmente vacinas que proporcionam rápida estimulação da resposta imunológica para diversas doenças, como a da poliomielite. Para entender mais essa linha de pesquisa, o Jornal da USP no Ar conversou com Ana Marli Sartori, professora do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina (FM) da USP.

A ideia de que uma vacina “viva” possa oferecer proteção a mais para uma doença específica surgiu ainda na década de 1920, com a vacina de BCG, conta Ana Marli. Na época, foi observada redução da mortalidade infantil, que não era compatível apenas com a redução da tuberculose, cenário semelhante em 1950 com a vacina da pólio. Em resumo, isso só é possível devido à resposta imune que pode ser dividida em duas partes: a inata, resposta inicial e sem especificidade de patógenos, capaz de reagir a qualquer coisa que o sistema imune considera como ameaça; e a resposta adaptativa, mais eficaz e específica para cada patógeno, sendo responsável pelos anticorpos.

Essa resposta adaptativa possui memória imunológica, ou seja, células do sistema imune que apresentam resposta específica para uma doença e que têm longa duração. Acreditava-se que a resposta inata não possuía memória imunológica, mas foi descoberto que as células poderiam ser treinadas quando em contato com uma vacina viva que as ativasse após infecção de uma doença. Foi baseado neste efeito que levantaram a hipótese de prevenção da covid-19. “No entanto, não há evidência de que essas vacinas forneçam proteção para a covid”, alerta Ana Marli Sartori, que também é coordenadora do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) da USP.

Esse é um ponto importante, pois a professora diz que a maioria dos estudos que indicam essas vacinas possui muitos vieses e não levam fatores cruciais em consideração. Por exemplo, na análise de que a China é um país que aplica a vacina BCG e o novo coronavírus seguiu a rota comercial chinesa para a Europa e os EUA, regiões de países desenvolvidos que não aplicam a vacina. Entretanto, o Brasil é um país em que a pandemia se disseminou, mesmo com aplicação rigorosa da vacina. Mas já há estudos mais controlados em andamento na Austrália, Holanda, África do Sul, Reino Unido e EUA.

“Neste momento, não há razão para usar a BCG rotineiramente na proteção, pois as evidências não são suficientes”, ressalta a professora. As vacinas vivas que passam por esses estudos e estão no programa nacional de vacinação brasileiro são a BCG, a vacina oral da pólio e a de sarampo. “Mas temos que lembrar que as vacinas vivas são excelentes e muito seguras, porém, devem ser administradas com cuidado, por exemplo, para pessoas com alteração de imunidade.”

Com cerca de 100 vacinas em desenvolvimento e pelo menos seis já em ensaios clínicos com humanos, o desenvolvimento da vacina de coronavírus está sendo extremamente rápido, destaca Ana. “[É] diferente de qualquer outra vacina, mas, mesmo assim, vai demorar. Para termos uma vacina que possa ser usada com segurança na população, ela deve ser extensivamente testada antes. Há quem ache que no segundo semestre [deste ano] tenhamos uma vacina [pronta]. Eu acho um pouco improvável, é necessário um tempo maior, vamos esperar”, pontua a professora. O artigo da Science está disponível neste link.

Ouça a entrevista completa no player acima.


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