Eleitorado nacional envelhece e minorias buscam aumentar representatividade na política

Comunidade LGBTQIA+ e as mulheres devem aumentar candidaturas nas eleições deste ano, enquanto as pautas progressistas esbarram no conservadorismo do eleitorado mais velho

 15/07/2022 - Publicado há 2 anos
Eleição – Fotomontagem/Jornal da USP

 

O panorama político brasileiro para as eleições de outubro próximo traz algumas particularidades do ponto de vista do eleitorado e das candidaturas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o eleitor que vai comparecer às urnas este ano estará mais velho. Dados do TSE indicam que a faixa etária com o maior número de eleitores é a de 45 a 59 anos, correspondendo a 24,8% dos votantes. 

Especialistas analisam que o eleitorado nacional envelhece e tende a preservar antigos costumes; por outro lado, a participação das mulheres como candidatas e eleitoras coloca na mesa de discussão a questão da desigualdade de gênero na política. Outras minorias, como a população LGBTQIA+, também ganham eco nessas eleições. A busca desta comunidade por direitos deve resultar em números históricos de candidaturas.

Eleitorado: entre a experiência e o futuro

Maria Teresa Miceli Kerbauy – Foto: Fapesp

A professora da Unesp e especialista em Comportamento Eleitoral, Maria Teresa Miceli Kerbauy, diz que o envelhecimento do eleitorado é reflexo do envelhecimento da população e aponta a questão geracional como um elemento importante no comportamento dos eleitores. Dos 210 milhões de brasileiros em 2019, 37,7 milhões eram pessoas idosas, ou seja, tinham 60 anos ou mais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que já detectou uma desaceleração do ritmo de crescimento populacional. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que em 1994 o maior número de eleitores tinha entre 25 e 34 anos, 27,6% do total. Passados 28 anos, mesmo com o estímulo de artistas e do próprio TSE para que os jovens entre 16 e 18 anos se tornem eleitores, os votantes entre 45 e 59 anos são a maioria.

Segundo Maria Teresa, “as gerações mais velhas têm maior resistência a mudanças de valores, com opiniões e identidades diferentes dos mais jovens, especialmente sobre temas morais”, o que influencia, de formas diferenciadas, “na escolha dos candidatos aos cargos legislativos e executivos”.

De acordo com o professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, Marcos Cortez Campomar, o envelhecimento do eleitorado brasileiro vem acontecendo há algum tempo e reflete nos resultados das urnas. Para Campomar existe a tendência de as pessoas maduras serem mais conservadoras quanto aos costumes, “embora uma grande parte seja bombardeada pela mídia e já estejam percebendo mudanças no mundo e se adaptando”.

Marcos Cortez Campomar – Foto: Fapesp

Campomar defende a participação do idoso como eleitor e destaca, inclusive, os votantes com mais de 70 anos, e justifica lembrando da experiência de vida como fator relevante na hora da escolha nas urnas. Por outro lado, Maria Teresa acredita que a participação dos jovens na política e na defesa da democracia, como eleitor ou representante, precisa ser estimulada através de uma mudança na linguagem da comunicação política.

Ouça a entrevista dos professores Maria Teresa Miceli Kerbauy e Marcos Cortez Campomar sobre o envelhecimento do eleitorado ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional, no player abaixo.

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Mulheres e política

As mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932. Hoje, 90 anos depois, elas representam 53% do eleitorado brasileiro; mesmo assim, são minoria entre os parlamentares no Congresso Nacional, apenas 15%, conforme dados do relatório de 2020 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O número não corresponde nem à metade da média dos outros países da América Latina e Caribe.

A advogada Ana Carolina Juzo, mestranda da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e pesquisadora da área de Gênero e Direito, aponta alguns fatores para as mulheres ao longo da história começarem a se interessar por esse universo. “O rompimento da barreira pública e privada e a desconstrução das expectativas de gênero contribuíram para que mais mulheres se tornassem eleitoras e elegíveis”, afirma.

Ao analisar o volume do eleitorado feminino, Ana Carolina diz que é preciso ressaltar a pluralidade de mulheres em diferentes condições sociais, financeiras e culturais e que fatores distintos podem estar relacionados na hora da escolha de um candidato. “Mulheres diferentes votam de formas diferentes”, diz a advogada.

Ana Carolina Juzo – Foto: Arquivo pessoal

As mulheres representam a maioria dos votantes, mas são as mais indecisas, 4% do eleitorado contra 1% dos homens, fator que pode decidir o resultado das eleições de 2022. Os dados são do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), em sua última análise realizada em junho deste ano.

Ouça no player abaixo entrevista da advogada Ana Carolina Juzo ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

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Mulheres preenchem candidaturas e não vagas

Enquanto no eleitorado as mulheres estão à frente, nos espaços de poder as mulheres brasileiras são minoria. O ranking internacional de participação de mulheres na política mostra que o Brasil ocupa a posição 142 entre 192 países, conforme pesquisa da União Interparlamentar em 2020.

Apesar de políticas públicas para aumentar a participação de mulheres na política existirem desde 1997 (Lei n.º 9.504, conhecida como Lei das Eleições), a representação ainda é muito baixa. Atualmente, a legislação exige o preenchimento de 30% das candidaturas dos partidos políticos por mulheres, mas a medida encontra ressalvas.

A advogada e mestra pela Unesp, Letícia Trevizolli, explica que a ação afirmativa prevista na lei é uma cota para preenchimento de candidaturas e não preenchimento de vagas. “Isso significa que embora haja uma reserva para a corrida eleitoral, isso não vai necessariamente implicar uma porcentagem de pelo menos 30% de mulheres eleitas.”

Para burlar o previsto na lei, os partidos políticos se utilizam das chamadas “candidatas laranjas”, mulheres inscritas apenas para atingir o porcentual exigido, sem que haja divulgação ou qualquer investimento nesta candidatura, ainda que corram o risco de terem todos os membros do partido cassados.

Segundo pesquisa das professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, cerca de 35% de todas as candidaturas de mulheres que concorreram a cargos na Câmara dos Deputados, nas eleições de 2018 no Brasil, não conseguiram atingir 320 votos, levando a crer que eram candidatas laranjas.

Uma novidade legislativa é a Emenda Constitucional 117, promulgada este ano, estabelecendo destinação específica do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral em 30% para as candidaturas femininas. Essas mudanças podem trazer resultados positivos para as eleições porque “na política quem não tem investimento não progride e quem não é visto, não é lembrado”, diz Letícia.

Letícia Trevizolli – Foto: Arquivo pessoal

 

A advogada reconhece a importância das medidas públicas, mas não acredita serem suficientes para romper o ciclo da desigualdade de gênero. “Hoje a gente precisa de uma ação conjunta, uma ação pontual do governo, incentivo, educação, conscientização, propagandas na televisão, movimentos sociais, unidas de uma sanção mais efetiva.”

 

Ouça no player abaixo entrevista da advogada Letícia Trevizolli ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

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Participação LGBTQIA+ deve aumentar

Outro grupo enfrenta inúmeras dificuldades na hora de ocupar um cargo político, a comunidade LGBTQIA+. Mas as eleições de 2022 podem amenizar esse quadro, pois devem bater recordes de candidaturas dessa minoria, conforme parcial da pesquisa realizada pelo Programa Voto com Orgulho, da Aliança Nacional LGBTQIA+, que registrou um aumento de 70% de pré-candidaturas em apenas 20 dias, no total são 125 já registradas em todo o País.

Historicamente, os LGBTQIA+ “foram colocados à margem de espaços representativos, não podendo discutir e levantar suas pautas de maneira efetiva”, diz o graduando João Vitor Basso, acadêmico da FDRP e pesquisador da temática. Ainda segundo Basso, no Brasil, só a partir do século 21 os primeiros representantes deste grupo assumiram cargos políticos e puderam falar sobre a temática nos espaços públicos, ainda que em número muito baixo.

Atualmente, políticas públicas de cotas garantem a participação de mulheres e negros na corrida eleitoral, mas ainda não alcançaram a comunidade LGBTQIA+. Basso avalia como difícil a realidade para a comunidade, “já que temos um Congresso com composição extremamente conservadora”, e ressalta que, apesar de acreditar e incentivar as cotas, a luta por minorias deve acontecer além do campo institucional. “Uma mudança cultural precisa acontecer.”

João Vitor Basso – Foto: Reprodução

Na contramão do conservadorismo, diz Basso, atualmente nota-se um aumento de candidaturas LGBTQIA+. “Este fato se fundamenta no aumento da representatividade dos membros na comunidade em geral, como também na diversificação entre os próprios membros da comunidade, com candidaturas de transexuais e de pessoas não binárias, por exemplo. O apoio da causa por ONGs e artistas renomados também exerce influência, dando maior visibilidade a esta temática”, finaliza. 

Ouça no player abaixo entrevista do acadêmico João Vitor Basso ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

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Por: Ana Beatriz Fogaça e Laura Oliveira


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