Educação financeira para crianças e jovens vira disciplina escolar

Problema cultural do País, falta de educação financeira dá lugar a ensino obrigatório, instituído pela Base Nacional Comum Curricular para início ainda este ano

 23/11/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 19/07/2024 às 10:39
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No Congresso Nacional, há nove propostas de congressistas de oposição solicitando que o benefício seja prorrogado por mais tempo, sem indicação de onde viriam os recursos – Foto: Ivanir Ferreira
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Ensinar crianças e jovens a cuidar das finanças é tarefa importante que pode ser feita dentro de casa. Através da economia doméstica e do orçamento familiar, os pais conseguem mostrar aos filhos a importância de economizar e poupar. Essa prática trouxe resultados positivos na casa do vendedor Moisés Misael Ferreira do Nascimento, de Pitangueiras-SP, empenhado em ensinar ao filho Nicolas, de 7 anos, o valor do dinheiro.

“Eu vi, notoriamente, que ele, ao saber acerca de economia, apaga a luz e desliga a televisão que não está assistindo. Ele vê aquilo que é necessário fazer e faz. Desliga a torneira para economizar. De fato, ele sabe valorizar. E ele não pede aquilo que outrora ele pedia, a partir do momento que comecei a ensinar para ele noções de educação financeira”, afirma.

A importância desse ensino para crianças e jovens está sempre em debate, porque o brasileiro, em geral, carece de uma vida econômica saudável. O exemplo da família de Pitangueiras é exceção à regra. Em outubro, o País alcançou o porcentual de 66,5% de famílias endividadas. Embora o índice apresente queda em relação ao mês de setembro, quando eram 67,2% de famílias, o número ainda é alto comparado aos 64,7% registrados em outubro de 2019. Os dados são da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurados mensalmente desde janeiro de 2010 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

 

Foto: Lilly Cantabile/Pixabay

A preocupação com a falta de planejamento orçamentário das contas pessoais do brasileiro fez a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) definir pela obrigatoriedade da educação financeira no currículo dos ensinos infantil e fundamental das escolas públicas e privadas do Brasil. A disciplina entra no documento desses currículos ainda este ano como um tema contemporâneo transversal, compondo o currículo de matemática. A BNCC é a responsável por definir as aprendizagens necessárias a serem desenvolvidas por todos os alunos da Educação Básica.

Antecipando a novidade curricular, Felipe Elias Miguel, secretário municipal da educação de Ribeirão Preto, conta que, em 2019, sua Secretaria já havia aprovado o novo referencial curricular. Segundo Miguel, o documento de Ribeirão Preto foi construído juntamente com os coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores e professores das escolas. “Nós fizemos um currículo próprio, mas ele tem bastante aderência com o currículo paulista”, afirma o secretário, adiantando que o currículo também está adequado com o cronograma estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

E a entrada desse conteúdo como disciplina escolar encontra suporte na academia. Estudioso da educação financeira nas escolas, o professor Cláudio de Souza Miranda, do Departamento de Contabilidade da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, afirma que a falta de educação financeira para crianças constitui um problema cultural no País e que aguarda possível melhora desse cenário.

Porém, para que os alunos consigam entender a importância desse assunto em sala de aula, ele deve abordar a realidade vivida pelas crianças e por suas famílias. Segundo a pesquisadora Hudmaira Martins, que integra equipe da FEA-RP liderada pelo professor Miranda, é preciso que seja mostrada a utilidade do controle das finanças na vida cotidiana. “Os efeitos dessas intervenções educacionais tendem a melhorar a forma como essas crianças irão lidar com o dinheiro e como irão tomar decisões financeiras, o que, consequentemente, acarretaria na diminuição do número de inadimplentes”, explica.

Foto: Steve Hix,Corbis – Pixaba

Dez mil crianças já passaram pelo Clube de Mercado Financeiro

Professores e pais se juntam pelo ensino financeiro de crianças e jovens. Esta é a base do trabalho da equipe júnior do Clube de Mercado Financeiro (CMF), entidade estudantil formada pelos alunos da FEA-RP que, através de palestras em escolas públicas e privadas, de livro infantil com conhecimentos básicos sobre finanças pessoais e da plataforma do YouTube, é capaz de promover conhecimento para alunos do 3º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.

Matheus Hanai, aluno do curso de Administração da FEA-RP e diretor do CFM Júnior, conta que a entidade já ultrapassou a marca de 10 mil crianças alcançadas, em mais de 33 cidades de nove Estados diferentes do País. Segundo Hanai, de forma simples e didática, as atividades são aplicadas de acordo com a faixa etária. Como exemplo, diz que “as crianças de 9 anos aprendem o que é fazer um orçamento financeiro, o que é economizar, o que é pechinchar para as compras da casa, quais são os tipos de sonhos e como fazer para realizá-los no longo prazo”.

Os adolescentes, emenda o acadêmico, são direcionados às finanças pessoais e investimentos de curto, médio e de longo prazo. Também são informados sobre endividamento, economia doméstica, uso do cartão de crédito e financiamento para estimular o uso consciente do dinheiro. O objetivo é que “aprendam a viver de forma regrada e tenham boa saúde financeira, e, quando mais velhos, possam desfrutar de suas economias e investimentos”, diz o diretor do projeto.

Confira entrevista completa com o secretário municipal da Educação de Ribeirão Preto, Felipe Elias Miguel; com o professor Cláudio de Souza Miranda e a mestranda Hudmaira Martins, ambos da FEA-RP; com o vendedor Moisés Misael Ferreira do Nascimento e com o diretor do CMF Júnior da FEA-RP, Matheus Hanai, no player acima.


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