Economistas propõem “novo sistema de Previdência para novos trabalhadores”

Reformas na Previdência Social foram tema de conferência na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP nesta segunda-feira

 25/10/2016 - Publicado há 7 anos
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Eduardo Zylberstajn, Luis Eduardo Afonso e Helio Zylberstajn palestrantes da FEA 70 anos - Ciclo de Conferência Repensar o Brasil - Previdência Social: um modelo equilibrado e duradouro? Expositores: Hélio Zylberstajn, Luis Eduardo Afonso e Eduardo Zylberstajn. Local: FEA Fotos: Cecília Bastos/Usp Imagens
“O idoso no Brasil é muito jovem”, afirma Luís Eduardo Afonso Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens


“Temos uma situação extremamente desigual”, afirmou Luís Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, abrindo a conferência Previdência Social: Um modelo equilibrado e duradouro?, que aconteceu nesta segunda-feira, 24 de outubro, no Salão de Conferências da FEA. O evento foi o terceiro do ciclo de conferências Repensar o Brasil, que celebra o aniversário de 70 anos da faculdade colocando em pauta assuntos de relevância na atualidade cujos efeitos se prolongarão no futuro do País.
A desigualdade da qual fala o professor Afonso se refere ao funcionamento do sistema previdenciário brasileiro. Segundo o professor, há diferença de tratamento entre trabalhadores urbanos e rurais, funcionários públicos, parlamentares, militares e outros beneficiários da Previdência. Além disso, Afonso aponta dispêndio e déficit desproporcionais no sistema, se comparados a números internacionais.

Afonso afirma que o trabalhador que se aposenta por idade no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) geralmente tem entre 65 anos (homens) e 60 anos (mulheres), trabalha na zona rural e pertence a classes sociais mais baixas; já os aposentados por tempo de contribuição em geral o fazem por volta de 55 anos (homens) ou 50 anos (mulheres), e são mais ricos, atuam na zona urbana e possuem maior escolaridade. A principal consequência disso, de acordo com o professor, é que “o idoso no Brasil é muito jovem”, o que faz com que o Estado precise arcar com a aposentadoria por muito tempo.

Outra preocupação do professor é o momento de transição demográfica que o País vive: a população brasileira está chegando no estágio em que o número de idosos supera o número de jovens, e, segundo Afonso, o Brasil não aproveitou o momento que ele chama de “bônus demográfico”, quando havia mais população economicamente ativa. “O quadro geral exige uma reforma urgente na Previdência. Ela representa uma fatia considerável do orçamento público, é um esforço fiscal gigantesco. Nossa escolha previdenciária é incompatível e inconsistente”, critica.

Depois de mostrar o panorama atual, Afonso enumerou algumas das propostas que o Governo Federal sinaliza para a reforma da Previdência, como a unificação das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, idade mínima variável de acordo com a expectativa de vida e aumento na contribuição do setor público. Ele frisa, porém, que uma avaliação das ideias agora pode mudar depois, dependendo de quais propostas forem aprovadas.

O segundo conferencista da mesa, Eduardo Zylberstajn, da Federação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), tenta enxergar um lado positivo na situação colocada pelo professor Afonso, dizendo que o debate está em pauta mais do que nunca. “O Brasil há muito tempo sabe que tem esse problema e muito pouco foi feito. Agora, não há escolha”, afirma.


Eduardo Zylberstajn, palestrantes da FEA 70 anos - Ciclo de Conferência Repensar o Brasil - Previdência Social: um modelo equilibrado e duradouro? Expositores: Hélio Zylberstajn, Luis Eduardo Afonso e Eduardo Zylberstajn. Local: FEA Fotos: Cecília Bastos/Usp Imagens
“O Brasil há muito tempo sabe que tem o problema e muito pouco foi feito”, diz Eduardo Zylberstajn Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

Ele destaca que devemos nos preocupar com uma questão ainda mais ampla: os mecanismos de proteção ao emprego no Brasil. “O professor Afonso mostrou aqui números que dão a entender que o Brasil não está atento às políticas previdenciárias adotadas no resto do mundo. Mas, na verdade, podemos dizer que estamos atentos até demais, pois escolhemos adotar todas essas políticas ao mesmo tempo, o que é insustentável”, diz o economista. Ele se refere, por exemplo, ao fato de que geralmente se escolhe ou um seguro desemprego ou uma poupança individual, enquanto aqui temos ambos, além de políticas de indenização por aviso prévio e abono salarial. Todas essas políticas, porém, segundo Eduardo Zylberstajn, servem apenas a uma parte da população, pois o número de trabalhadores em situação irregular, embora tenha diminuído bastante, ainda é muito grande.


Há ainda a questão da taxa de rotatividade no emprego no País, que o economista aponta ser mais de 50%. “O trabalhador brasileiro trabalha com um pé fora da empresa, é um número muito grande de funcionários que não passa mais de um ano na mesma empresa. A flexibilidade na rotatividade é interessante, desde que com equilíbrio, o que não acontece aqui. Nossas políticas de proteção ao emprego estimulam essa situação.”

Eduardo Zylberstajn afirma que financiamentos de políticas como essas devem ser vinculados ao custo que têm, caso contrário causam desvirtuamento. Ele compara o financiamento à proteção ao emprego no Brasil às políticas contra o tabagismo. “O que fizemos para desestimular o fumo? Taxamos o produto, deixando-o mais caro. A taxação ao emprego que existe no Brasil funciona da mesma forma, na prática, é como se o inibíssemos.”

Fechando a conferência, o professor da FEA Hélio Zylberstajn apresentou algumas propostas para uma reforma mais eficiente na Previdência. “A reforma que se pretende não é suficiente. Propomos um novo sistema para os novos trabalhadores.” O professor cita alguns modelos de Previdência Social adotados pelo mundo, baseados em sistema de repartição (um pacto de gerações em que o trabalhador de hoje paga a aposentadoria do que já não trabalha, e os futuros trabalhadores pagarão a aposentadoria do presente) ou capitalização (cada um cuida da sua aposentadoria, havendo, em vez de um fundo, uma conta particular). Esses sistemas implicam em solidariedade ou individualismo, e, segundo Hélio Zylberstajn, “o Brasil optou pela solidariedade, mas dados os problemas que apontamos, que tipo de solidariedade é essa? O que se recomenda hoje é que a Previdência trabalhe com um pouco de tudo isso”.

O plano apresentado pelo professor consiste em universalidade (um sistema único para todos os trabalhadores, homens ou mulheres, funcionários públicos ou privados, urbanos ou rurais, militares ou civis), equidade, equilíbrio (o que a geração contribui retorna em benefício), eficiência (aliviando a taxação na folha de pagamento para que sobre dinheiro para uma poupança) e simplicidade, poucas regras.

Essas novas regras se aplicariam para trabalhadores nascidos a partir de uma data a ser estipulada, e haveria uma transição gradual por décadas até que todos fossem compreendidos no novo sistema, que permitiria a aplicação de uma poupança em longo prazo, algo que Hélio Zylberstajn julga fundamental. “O debate tem potencial para se tornar um conflito de gerações, mas fazer a reforma é garantir a aposentadoria. Se não fizermos, não sabemos até onde o sistema se sustenta.”

O ciclo de conferências Repensar o Brasil continua nesta terça-feira, 25 de outubro, com a conferência Ajuste fiscal e desenvolvimento no Brasil, com os conferencistas Carlos Antonio Luque, Nessim Zagha e Simão Davi Silber.

Ouça abaixo entrevista do repórter Diego Smirne com o professor Hélio Zylberstajn para a Rádio USP, em que o professor resume os pilares de sua proposta para a reforma da Previdência:

 


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