“É equivocada a decisão do STF de dar acesso a conteúdo de investigações das forças-tarefas”

Segundo Gustavo Badaró, o próprio processo da Lava Jato possui peculiaridades e autonomia para investigações designadas pelo procurador, que não pode interferir, posteriormente, no funcionamento dos processos

 23/07/2020 - Publicado há 4 anos
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Cada vez mais se faz necessário o melhor entendimento das instituições brasileiras acerca de suas funções e obrigações perante a Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, a sociedade civil. Nos últimos anos, o Ministério Público (MP) se inseriu nessa pauta após o surgimento de grandes operações como a Lava Jato, que desencadeou uma série de prisões de políticos, em mandatos ou não, além de empresários. Para ajudar a entender o papel do MP, o Jornal da USP no Ar conversou com Gustavo Badaró, professor do Departamento de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito (FD) da USP.

Uma das grandes dúvidas que pairam é sobre a centralização da hierarquia na instituição. O tema veio à tona após o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, ter concedido liminar para que as forças-tarefas da Lava-Jato de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro compartilhassem informações e dados sigilosos com a Procuradoria Geral da República (PGR). “A Constituição estabelece que o Ministério Público é uma instituição una e indivisível, e garante a cada membro uma independência funcional, ou seja, com obediência à lei de acordo com suas interpretações de aplicação”, explica Badaró.

Para ele, a questão da hierarquia deve ser vista a partir de duas lentes: administrativa, com o respeito da hierarquia em carreiras e promoções; e de atuação, que deve ser restrita aos procuradores e promotores de Justiça em seus casos. A princípio, para o funcionamento dos processos e inquéritos não há o “poder de mando” hierárquico do procurador geral para os demais procuradores. Talvez o que se revela como problema é que tanto as forças-tarefas quanto os grupos de trabalho não são previstos na Constituição, pois são criações posteriores.

“A ideia de se ter uma força-tarefa ou grupo de trabalho é boa, porque permite uma maior especialização”, argumenta Gustavo Badaró. De acordo com o professor, o próprio processo da Lava Jato possui suas peculiaridades e, assim como as demais operações, há autonomia para investigações designadas pelo procurador que posteriormente não pode interferir no funcionamento do dia a dia dos processos. “Nesse ponto me parece absolutamente equivocada a decisão do STF de dar acesso a todo o conteúdo de todas as investigações das forças-tarefas.”

Tal decisão pode levar a PGR a funcionar como órgão de inteligência, ao reunir centenas de informações, horas de interceptações telefônicas, quebras de sigilos bancários. O que definitivamente não é seu papel, devendo atuar apenas nos processos criminais e competências originárias no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo Badaró. “[Tudo isso] já teve um impacto que foi a renúncia dos procuradores membros de forças-tarefas”, destaca o professor, acrescentando que a decisão deve ser cumprida, mas é passível de recurso e votação no plenário do Supremo.

O professor diz que o dano dessa abertura de informações à PGR é muito grande. “Se informação é poder, quando concentramos poder isso favorece atos de abuso de poder. Quando o dividimos, temos mais controle.” Pela premissa de que poder envolve responsabilidade, Badaró reforça que as forças-tarefas possuem enorme importância, mesmo errando ou acertando, sendo que os erros jurisdicionais devem ser corrigidos pelo Poder Judiciário, bem como eventuais erros de abuso de poder através do próprio MP. “O respeito à lei vale para os dois lados: força-tarefa, que quer processar o acusado pela lei, e também para seus membros, se estes desrespeitaram a lei. Se analisarmos assim, tiramos o clima de maniqueísmo de que tudo é pró ou contra a corrupção”, finaliza Gustavo Badaró.

Ouça a entrevista completa no player acima.


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