Dom Paulo : uma vida em prol da dignidade do ser humano

Para o professor Pedro Dallari, dom Paulo foi um dos ícones na defesa dos direitos humanos no Brasil

 15/12/2016 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 16/12/2016 as 14:46
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Foto: Luiz Guadagnoli / SECOM
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns – Foto: Luiz Guadagnoli / SECOM

Acompanhe a entrevista da jornalista Silvana Pires com o professor Pedro Dallari, da Faculdade de Direito da USP:

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Ao longo de sua vida, dom Paulo Evaristo Arns – falecido, aos 95 anos,  na quarta-feira (14) – foi chamado de “cardeal da liberdade”, “bispo dos oprimidos”, “bispo dos presos”,  “cardeal da cidadania” e “guardião dos direitos humanos”, entre tantos outros epítetos. Para o professor Pedro Dallari, da Faculdade de Direito e diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, dom Paulo foi uma das personalidades mais importantes dos últimos 50 anos da história brasileira, um homem que, durante a ditadura militar, transformou a Arquidiocese de São Paulo em um polo de resistência contra a tortura, contra as execuções e contra os desaparecimentos forçados.

Da mesma forma, abrigou perseguidos políticos, sem nunca se preocupar com a ideologia ou o motivo pelo qual eram perseguidos,  somente com a necessidade de abraçar a causa dos direitos humanos e defender aqueles que eram perseguidos pela intolerância do regime militar. “Tudo isso fez dele uma personalidade mundialmente reconhecida e muito querida dos brasileiros”, diz Dallari, em entrevista à jornalista Silvana Pires, da Rádio USP. O professor destaca o importante papel que dom Paulo exerceu na Comissão Nacional da Verdade por ocasião da morte do jornalista Vladimir Herzog, quando, ao lado de outras lideranças, como o rabino Henry Sobel, recusou-se a aceitar a versão oficial do governo ditatorial de que o jornalista teria cometido suicídio na prisão.

Dom Paulo, de maneira corajosa, capitaneou um ato ecumênico, que reuniu lideranças de diferentes religiões, na Catedral da Sé, em uma manifestação que sinalizava para o regime militar que a sociedade brasileira já não podia compactuar com o que estava ocorrendo nos porões da repressão, nem podia mais aceitar tal situação. “A liderança de dom Paulo foi muito importante nesse episódio, a partir do qual se inicia um processo mais forte de luta contra a ditadura, o que acabou por gerar o fim dos governos militares.”

 Fiéis formam fila para se despedir de dom Paulo Evaristo Arns, na Catedral da Sé - Foto Paulo Pinto/Fotos Publicas
Fiéis formam fila para se despedir de dom Paulo Evaristo Arns, na Catedral da Sé – Foto Paulo Pinto/Fotos Publicas

Não bastasse esse ato em prol daqueles que, como Vladimir Herzog, foram  perseguidos,torturados e executados pelo regime militar, o religioso foi um dos idealizadores do Projeto Brasil Nunca Mais, cujos objetivos eram evitar que os processos judiciais por crimes políticos fossem destruídos com o fim da ditadura militar, obter informações sobre torturas praticadas pela repressão política e permitir que sua divulgação cumprisse um papel educativo na sociedade. Segundo Dallari, havia o receio de que os militares, com o fim da ditadura, dessem um fim no volumoso arquivo reunido durante o período em que governavam o País. Dessa forma, sob o comando de dom Paulo, advogados empenhados na causa dos direitos humanos foram, aos poucos, retirando e copiando esses processos das auditorias militares, material que se tornou o grande arquivo denominado Projeto Brasil Nunca Mais, o qual “se constituiu num registro muito relevante de tudo o que se julgou, se disse e se fez nos processos conduzidos pela Justiça Militar da época”.

Uma outra faceta de dom Paulo Evaristo Arns está ligada ao fato de sempre ter se posicionado a favor do diálogo entre as religiões, “uma perspectiva ecumênica muito importante e que antecipa o que, posteriormente, viria a ser a posição adotada pelos papas, inclusive João Paulo II, de defender o diálogo entre as diversas crenças existentes”.

Dallari lembra, ainda, a postura que dom Paulo manteve ao longo da vida, de nunca perder de vista a ideia da igualdade de direitos, e a convicção de que a dignidade humana só se pode afirmar a partir do momento em que sejam conferidas condições mínimas para a sobrevivência dos seres humanos, o que inclui, moradia, educação e saúde. Nesse aspecto, segundo o professor, ele sempre associou a prática da espiritualidade e da doutrina cristã à perspectiva de que ser cristão seria contemplar a necessidade de assegurar a dignidade dos indivíduos. Não por acaso, alinhou a postura da Igreja à defesa por melhores condições de vida para a população brasileira.

“Se hoje, em que pese haver ainda um quadro de muita desigualdade, o Brasil avançou em relação a aspectos como uma melhor distribuição de renda e o aumento da classe média, isso, em grande parte, se deve à atuação de dom Paulo à frente da Arquidiocese de São Paulo e da Igreja brasileira.”

Dom Paulo Evaristo Arns estava internado no Hospital Santa Catarina desde o último dia 28, com problemas pulmonares. Recentemente, seu estado de saúde havia piorado e ele havia sido transferido para a UTI.


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