Documento da CIA realoca Geisel na história brasileira

Novos documentos surgirão, por mais que a negociação diplomática entre Brasil e EUA seja delicada, diz professor

 16/05/2018 - Publicado há 6 anos

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Entrevista 1: Marcos Napolitano, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

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Entrevista 2: Ivo Herzog, Instituto Vladimir Herzog

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Posse do presidente Ernesto Geisel e de seu vice Adalberto Pereira dos Santos, em 15 de março de 1974, em sessão conjunta do Congresso Nacional, presidida pelo senador Paulo Torres – Foto: Senado Federal via Wikimedia Commos / Domínio público

A repercussão do documento da CIA que revela a conexão entre Geisel e a execução de opositores do regime militar tem implicações historiográficas e jurídicas, afirma Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Apesar de não mudar radicalmente a orientação de análise de muitos historiadores, o memorando é uma prova da conexão entre palácio, quartéis e porões durante o período ditatorial, completa o professor.

Napolitano conta que boa parte dos historiadores não aceita a versão de que Geisel representou uma marcha inequívoca em direção à democracia. Para eles, o governo do ex-presidente é entendido mais como um período de institucionalização do autoritarismo e preparação para um possível futuro governo civil. A revelação, no entanto, serve para que haja uma revisão do lugar de Geisel na história do Brasil e para que se forme uma memória diferente da consolidada, de suposta abertura política.

Foto oficial de Ernesto Geisel, presidente do Brasil entre 1974 e 1979 – Foto: Governo do Brasil via Wikimedia Commons / Domínio público

Ainda do ponto de vista historiográfico, o professor não vê com espanto a busca por arquivos que pretendem resgatar a história nacional em outros países pelo mundo. Napolitano justifica, dizendo ser sabido que os Estados Unidos apoiaram o golpe de 1964 e treinaram os interrogadores e torturadores brasileiros, dentro da lógica de combate ao comunismo e da doutrina de segurança nacional. Além dos EUA, pesquisas recentes comprovam a participação importante da França na ditadura militar brasileira, com sua doutrina contra-insurgência. Do ponto de vista político e jurídico, sim, é espantoso que seja necessário recorrer a outros países para uma revisão e reabertura da discussão sobre o passado, avalia Napolitano.

O professor acredita que outros documentos ainda surgirão. O próprio memorando ainda tem 20 linhas tarjadas, mas não se sabe se a integralidade do conteúdo será disponibilizada pelos Estados Unidos. A embaixada do Brasil em Washington solicitou o acesso a outros documentos da CIA produzidos à época. A negociação em curso entre governos brasileiro e norte-americano é muito delicada, avalia Napolitano, já que envolve muitos nomes, conexões internas e internacionais, com possíveis implicações diplomáticas e jurídicas importantes.

Marcos termina dizendo que, apesar de seu desejo, não vê o cenário brasileiro como propício para uma revisão da Lei da Anistia. Ele diz estar em curso um avanço perigoso do conservadorismo no país. A impunidade decorrente daquela época reforça a prática de violência policial dos dias atuais. Sem a revisão, contudo, fica difícil a consolidação dos direitos humanos no Brasil.

Nesta terça-feira o Jornal da USP no Ar conversou com Ivo Herzog, fundador do Instituto Vladimir Herzog e filho do jornalista morto na ditadura militar, que pediu ao governo brasileiro que o acesso a outros documentos da CIA fosse solicitado ao governo norte-americano. Ouça a íntegra da entrevista no áudio acima.

Brasil anistia e pede desculpas a professores perseguidos pela ditadura – Foto: Divulgação / Memoriasreveladas.gov via Governo do Brasil

Jornal da USP no Ar, uma parceria do Instituto de Estudos Avançados, Faculdade de Medicina e Rádio USP, busca aprofundar temas nacionais e internacionais de maior repercussão e é veiculado de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 9h30, com apresentação de Roxane Ré.

Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo no celular. Você pode ouvir a entrevista completa no player acima.

   


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