Cérebro humano tem facilidade para se adaptar a situações adversas e trágicas

O órgão tem capacidade de naturalizar situações como a que estamos vivendo atualmente, com a pandemia, mas isso não pode ser usado como argumento para justificar falta de empatia, diz Eliane Comoli

 11/06/2021 - Publicado há 3 anos
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O luto pandêmico deverá ser vivido ou sentido por todos, mesmo por quem ignora ou posterga o sentimento – Foto: S. Hermann & F. Richter – Pixabay
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Depois de um ano e meio de pandemia, talvez você tenha percebido que algumas pessoas podem se sensibilizar mais do que outras em relação à catástrofe que o Brasil vive. Diariamente, ocorre um bombardeio devido às atualizações dos números da doença, revelando altas contagens de óbitos e casos de infecção. É como se a tragédia tivesse entrado na rotina e o cérebro passasse a naturalizar a situação terrível. 

De fato, o cérebro é capaz de se acostumar mesmo em momentos tão difíceis como agora a partir de um processo denominado neuroplasticidade, como explica a neurocientista Eliane Comoli, docente do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. “O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação ao mundo graças à possibilidade que o cérebro tem de moldar-se mediante diferentes demandas do cotidiano, de modo que, tudo o que experienciamos é capaz de alterar os circuitos neurais já estabelecidos.”

O cérebro tem dificuldade de elaborar grandes quantidades numéricas. No Brasil, são milhares de vítimas da covid-19 e milhões de casos de contaminação. É tão expressivo e tão fora da realidade comum, que o cérebro nem sempre compreende. “Quando falamos de magnitudes numéricas, há áreas associativas do cérebro especializadas nesta função e parece que as informações envolvendo números elevados, por exemplo, um grande número de pessoas, como ocorre em desastres humanitários, escapa de ser processado por áreas cerebrais mais específicas, como as áreas associadas à empatia, incluindo o córtex pré-frontal”, informa. 

“O mesmo acontece em relação às proporções tão elevadas de mortes diárias provocadas pela pandemia da covid-19, propiciando o sentimento de indiferença ao acometimento de um grande número de pessoas. É como se o cérebro não assimilasse o que um número tão elevado representa”, complementa a professora.

Apesar da tendência cerebral de naturalização da tragédia ser um fato, não se pode utilizar como argumento para justificar a falta de empatia com o sofrimento alheio. “Não significa que devemos aceitar isso como uma desculpa para agirmos passivamente quando enfrentamos uma crise de alta escala, como a pandemia. Apesar do efeito coletivo, a percepção humana da realidade é única para cada indivíduo e depende da história de vida de cada um. Depende também da sensibilidade, de componentes genéticos e dos nossos próprios comportamentos”, argumenta.

Conforme a neurocientista, o luto pandêmico deverá ser vivido ou sentido por todos, mesmo por quem ignora ou posterga o sentimento. Aqueles que agem de forma indiferente às mortes poderão se sensibilizar enormemente, principalmente ao perderem algum ente querido. “A pandemia perturbou muito a maneira como as pessoas vivenciam o luto. Eu entendo que não é possível escapar da dor do luto, mesmo quando é adiado. O luto atinge a todos, inclusive aqueles que enganam ou são indiferentes aos acontecimentos. É possível que as pessoas que ignoram e fazem pouco caso da gravidade da pandemia e do luto que o País vive percebam isso diante da perda repentina de alguém muito próximo”, aponta.


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