Brasil tem má pontuação em estudo internacional que avalia condições trabalhistas de aplicativos

De acordo com Roseli Fígaro, a exploração do trabalhador no Brasil é resultado de uma longa trajetória de desrespeito aos direitos trabalhistas

 29/03/2022 - Publicado há 3 anos
Hoje nós temos mudanças autoritárias na legislação trabalhista e regredimos ao início do século 20 em relação aos direitos do trabalho – Fotomontagem de aplicativos – Arte: Adrielly Kilryann/Jornal da USP
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O conceito de trabalho decente proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) visa a garantir aos trabalhadores condições de serviço em liberdade, equidade e dignidade. Entretanto, um estudo de 2021 da Fairwork Brasil, rede de pesquisa coordenada pela Universidade de Oxford com participação da USP, apontou que aplicativos brasileiros apresentam notas abaixo do esperado no que diz respeito às condições de trabalho para motoristas de app e motoboys. O levantamento avalia a situação de prestadores de serviço em cinco categorias em uma escala de 0 a 10. 

Roseli Fígaro – Foto: Gute Garbelotto/CMSP

  Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, a professora Roseli Fígaro, coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e participante do estudo, informa em quais dados o levantamento se apoia e com qual objetivo sucede. Segundo a professora, a pesquisa foi realizada por meio de entrevistas com trabalhadores de plataformas que atuam no Brasil: iFood, 99POP, GetNinjas, Uber e UberEats, a qual não atua mais no País desde 2021. “Nós temos feito um esforço e temos contado com a sociedade civil organizada e com a mídia no sentido de mostrar para essas empresas que o objetivo dessa pesquisa internacional é trazer as condições de trabalho para dentro de um quadro civilizatório”, declara. 

Os princípios do trabalho  

  • Remuneração decente: o trabalhador recebe o salário mínimo após oito horas de trabalho diário em um mês, retirados os custos. Nesse ponto, apenas a Uber provou que paga pelo menos o salário mínimo aos seus motoristas.  
  • Trabalho justo: as empresas fornecem equipamentos individuais de segurança contra acidentes. A 99POP mostrou que, durante a pandemia, fornecia o mínimo de equipamentos de higiene e segurança para proteger os trabalhadores.
  • Contrato decente: os contratos de trabalho são claros, objetivos e as mudanças contratuais são divulgadas e comunicadas com antecedência. Nesse item, apenas o iFood mostrou que mudou a exposição das formas contratuais com os empregados, após as interações com os pesquisadores da Fairwork Brasil.
  • Gestão justa: os trabalhadores possuem canais de comunicação para que possam recorrer a possíveis e injustas punições, além de discriminações. 
  • Direito de representação coletiva: o iFood é o único aplicativo que constitui um fórum, o qual permite que representantes de trabalhadores façam uma interlocução com a empresa.  

Precarização do trabalho é estrutural

A Fairwork, enquanto equipe atuante em 27 países, constatou que os países africanos obtiveram as melhores pontuações em suas plataformas, enquanto o Brasil só esteve melhor que uma equipe de Bangladesh. “Muitos trabalhadores, sobretudo motoristas, estão abandonando o trabalho porque não têm dinheiro para pagar a gasolina. Você vê que o que está sendo feito no Brasil é um processo de muita exploração”, afirma Roseli.  

Apesar das tentativas de incorporar melhorias nas condições de trabalho por parte das empresas, a professora percebe que o processo é difícil pela tradição de desrespeito aos direitos dos trabalhadores na história do Brasil: “Essas plataformas chegam ao Brasil, ou são brasileiras, no caso do iFood, e encontram um terreno fértil para continuar essa trajetória. Hoje nós temos mudanças autoritárias na legislação trabalhista e regredimos ao início do século 20 em relação aos direitos do trabalho”. Roseli revela que o estudo retornará ao final de 2022 e as expectativas são de melhores notas para os aplicativos no novo relatório. 


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