O Brasil ganhou proeminência no regime de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento (CID) nos últimos anos. A influência dos países emergentes nessa cooperação trouxe profundas mudanças ao panorama, estimulando um debate sobre se tais recursos utilizados não teriam um melhor destino no ambiente doméstico. Por que um país em desenvolvimento com graves problemas socioeconômicos forneceria cooperação no cenário internacional? Uma pesquisa busca contribuir com esse debate por meio de uma análise empírica inédita acerca dos padrões de alocação dos gastos com projetos de Cooperação Técnica (CT) realizados pelo Brasil entre os anos de 2000 e 2016. O Jornal da USP no Ar conversou sobre o tema com Laerte Apolinário Júnior, doutorando do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O pesquisador explica que, “em termos muito gerais, a CID compreende ações e atividades desenvolvidas no intuito de promover o desenvolvimento de outro país ou de outra região”. Estas podem ser de interesse público, quando realizadas por Estados ou entidades subnacionais, ou privado, quando realizadas por ONGs ou empresas. Um exemplo clássico é o Plano Marshall, desenvolvido pelos Estados Unidos em um contexto pós-Segunda Guerra Mundial e que tinha o intuito de auxiliar a reconstrução do continente europeu, arrasado pelo conflito.
O Brasil ocupa uma posição dual no campo de cooperação internacional. “Ao mesmo tempo em que foi um receptor de recursos e continua sendo até os dias de hoje, o País também se coloca como um provedor de cooperação”, afirma Apolinário Junior. De acordo com ele, o Brasil atuaria nesse regime principalmente pelo procedimento de cooperação técnica, ou seja, da transferência de práticas de conhecimentos no hall e de políticas para os países.
A partir da análise de dados, percebe-se que essa posição de provedor tem origem nos anos 70, durante a ditadura militar. Depois, ocorreu uma certa desmobilização nesse campo, principalmente nos anos 80 e 90. O aumento de recursos e atividades realizadas pelo País nesse sentido ressurgiu ao longo das últimas duas décadas, principalmente nessa primeira década do século XXI. A pesquisa de Apolinário Júnior aborda o fluxo temporal de 2000 a 2016. Ele afirma que, “em relação à tendência, há um aumento dos volumes gastos com cooperação, especialmente ali no segundo governo do Lula, então especificamente de 2006 a 2010, e depois há uma queda nos gastos de 2010 a 2016”.
Quanto ao motivo pelo qual o País forneceria cooperação internacional mesmo tendo problemas domésticos, o pesquisador comenta que se trata de um debate e um paradoxo que não surgem apenas em relação aos países em desenvolvimento, mas em relação a todos os países do mundo. “Qualquer país do mundo sempre teve esse debate: ‘Por que nós estamos ajudando outros países?’”, comenta Apolinário Junior. Tal questão gerou uma literatura específica entre economia, política e relações internacionais que preza analisar os fluxos de cooperação a partir de dois modelos: interesses do doador e necessidades do receptor. “Uma literatura historicamente feita para países desenvolvidos, do norte global, e eu tento fazer o mesmo analisando a situação de um país em desenvolvimento, no caso o Brasil”, explica.
A pesquisa tem o intuito de identificar o determinante de alocação dos recursos, entender para onde esses fluxos estão indo. “Eu identifico que haveria uma relação entre fornecimento de recuperação técnica e interesses políticos e econômicos” no que tange exportações e investimentos, exemplifica Apolinário Junior. Um dos resultados encontrados foi que países com níveis mais pobres são os que mais recebem fluxos brasileiros, “o que em alguma medida corroboraria o discurso de interesses mútuos dessa cooperação Sul-Sul, realizada por países em desenvolvimento”. Assim, tanto os interesses do provedor quanto as necessidades do receptor estariam sendo contemplados nessa cooperação.