O mundo está sempre pensando em novas alternativas mais sustentáveis de energia para baixar os custos de produção e manter a estabilidade dos bens naturais. Essa é, inclusive, uma proposta da cidade francesa Rambouillet, que pretende utilizar a luz proveniente da bioluminescência das bactérias para sua iluminação. Para isso, a bactéria marinha Aliivibrio fischeri será armazenada dentro de tubos cheios de água salgada, como um aquário luminoso azul.
Cassius Vinicius Stevani, professor do Instituto de Química da USP e especialista em bioluminescência, explica que a emissão de luz por esses organismos se dá por uma reação química entre a enzima luciferase e um substrato chamado luciferina: “A reação é parecida com a de “queima de ar”. Porque a luciferina, na presença de oxigênio, é oxidada e, durante esse processo, há emissão de luz”.
A bioluminescência pode ser observada em diversos organismos na natureza, desde os mais primitivos, como bactérias e fungos, até organismos mais desenvolvidos, como moluscos e peixes. Segundo o professor, a intensidade da luz emitida durante o processo de bioluminescência depende do organismo em questão e da reação química envolvida. No caso das bactérias, para “apagar as luzes” é cortado o bombeamento de ar e elas são colocadas em um estado anaeróbico, em que a bioluminescência não é produzida.
“Os fungos, por exemplo, emitem luz verde, cuja intensidade é muito mais baixa do que a de vaga-lumes. Porém, os vagalumes piscam, não ficam emitindo [luz] toda hora, ao contrário dos fungos. Outros organismos, como bactérias e dinoflagelados, podem emitir luz por mais tempo e com uma intensidade ainda maior do que a dos fungos, mas, ainda assim, menor do que a dos vaga-lumes”, explica.
Sustentabilidade
Sandra Rey, fundadora da startup Glowee, que está por trás do projeto em Rambouillet, disse, em entrevista à BBC, que o processo de fabricação desse tipo de energia consome menos água do que a fabricação de lâmpadas de LED e libera menos gás carbônico, além do líquido ser biodegradável.
Segundo Stevani, o consumo de água, nesse caso, tem a ver com a manutenção do organismo, assim como qualquer ser vivo. Além disso, a reação química é liberada na forma de luz e, nesse processo, há a liberação de gás carbônico. Como a bioluminescência é gerada por processos bioquímicos que fazem parte do metabolismo normal do organismo, o volume gerado é muito menor.
Já as luzes de LED são provenientes das hidrelétricas, as quais dependem de grande quantidade de água para seu funcionamento. Mas o professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Pedro Luiz Côrtes, afirma que o LED ainda é uma alternativa mais sustentável em comparação às lâmpadas incandescentes ou fluorescentes, pois possuem um aproveitamento mais eficiente da energia elétrica. Ainda assim, ele sustenta o argumento das lâmpadas de LED não serem biodegradáveis. Portanto, não devem ser simplesmente lançadas na natureza.
De acordo com a empresa Glowee, as luzes das bactérias também utilizam menos eletricidade para funcionar do que o LED, embora as lâmpadas produzam menos lúmens — fluxo luminoso — do que a maioria das lâmpadas de LED modernas. Conforme ilustra Côrtes, “o lúmen é uma unidade de medida que nos dá a intensidade de luz, […] a capacidade de iluminação”. Essa é uma vantagem das lâmpadas de LED, pois lâmpadas que consomem poucos watts — potência de energia — conseguem gerar maior fluxo luminoso, fator que torna tal solução mais sustentável.
Desafios para a implementação
Por enquanto, a intensidade da luz produzida pelas bactérias dura apenas dias ou semanas até demandar mais nutrientes, e ainda não é tão forte quanto as luzes de LED, que se submetem a diferentes temperaturas e pressões.
Um outro obstáculo para a implementação da bioluminescência em grande escala para iluminar as cidades é que esse fenômeno depende da temperatura do ambiente, fator que será um grande obstáculo no inverno. Conforme diz Stevani, a temperatura tem relação com a velocidade, e essa, com a emissão de luz: “Quando a temperatura é mais alta, a velocidade da reação é a mais alta e ,consequentemente, há maior emissão de luz. Quando a temperatura é mais baixa, a velocidade da reação é mais baixa e há menor emissão de luz”.
Para o especialista, utilizar da bioluminescência para criar ambientes aconchegantes em vez da iluminação urbana, como postes de rua, é possível. Mas ainda existem outros problemas a serem resolvidos, como o fato de as bactérias liberarem componentes tóxicos nos recipientes em que são dispostas. “As bactérias crescem e geram toxinas. E isso tem que ser depurado, porque, senão, todas as bactérias acabam morrendo”, pontua Stevani.
Ele ainda cita um projeto de desenvolvimento de petúnias bioluminescentes, o qual acredita ser mais viável, inclusive, para iluminar locais urbanos. “A diferença é que você não precisa fazer nada. É só deixar a planta crescer, fazer fotossíntese e ela mesma se mantém, diferente do sistema de bactérias”, revela.
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