Beber água é importante, mas dois litros por dia não é regra

O hábito de beber água recorrentemente só se faz necessário, do ponto de vista biológico, quando há a indicação de que o corpo está começando a ficar desidratado, ou seja, quando a sede aparece

 02/01/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 05/01/2023 as 11:38
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A água é uma grande parte da composição do corpo humano – Foto: Freepik


O corpo humano é composto de cerca de 60% a 70% de água e, por isso, ela é imprescindível para a manutenção de uma boa saúde. Entretanto, a quantidade que deve ser ingerida ainda deixa algumas dúvidas.

“Por ser tão crítica para a vida, há processos fisiológicos que controlam de forma estrita o balanço de sal e água no organismo. De forma simplificada, para manter a quantidade de água do nosso corpo é preciso repor as perdas”, comenta o professor Eduardo Barbosa Coelho, da área de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Importância

Como dito, a água é uma grande parte da composição do corpo humano. Mas, de modo prático, qual é a sua real importância? Para que o organismo se mantenha funcionando, as reações bioquímicas necessitam da água e são fundamentais: desde a troca de CO2 por O2 na respiração até a digestão. “Ela transporta nutrientes e oxigênio pela corrente sanguínea, mantém a concentração correta para a manutenção do equilíbrio eletrolítico e ácido-base, regula a temperatura corporal, mantém a estrutura celular, incluindo a membrana celular e a estrutura das proteínas e dos ácidos nucleicos e é vital para a excreção de substâncias tóxicas pela urina e fezes. A água é tão crítica para a vida que se você perder mais que 4% da água corporal total os sintomas de desidratação irão surgir e, se houver uma perda maior que 15%, ela pode ser fatal”, explica Coelho.

Quantidade

Eduardo Barbosa Coelho – Foto: Reprodução/Fapesp

Coelho diz que repor a água perdida é preciso, mas também explica como essa perda ocorre: “Nossas células, no processo de respiração celular, convertem os nutrientes e o oxigênio que chegam pela corrente sanguínea em gás carbônico (CO2) e água. Assim, um adulto de cerca de 70 kg ‘fabrica’, aproximadamente, 700 mL de água por dia. As perdas de água ocorrem de três maneiras: uma parte corresponde à produção de secreções (saliva, suco gástrico e suor, por exemplo), a outra parte é eliminada na respiração e uma última parte está presente na urina e nas fezes”.

Um estudo publicado pela Science pontua que o volume para consumo diário é determinado por diversos fatores como sexo, idade, aspectos físicos, umidade do ar, temperatura e até mesmo o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Assim, não existe uma quantidade ideal de água ー como os famosos dois litros ー, já que a influência de múltiplos pontos modifica a necessidade de cada indivíduo. 

“Não há um valor ‘normal’ ou recomendável para se ingerir ao dia. Geralmente, para um adulto numa dieta normoproteica padrão, cerca de 1 a 1,5 litro de água será suficiente para manter o balanço hídrico. Porém, esse valor dependerá do metabolismo individual, da idade, da distribuição de gordura corporal, das condições ambientais, da atividade física e de outros fatores que afetam a perda de água. Há uma ideia generalizada de que consumir água faz bem à saúde. Como descrito acima, há mecanismos fisiológicos para a manutenção de um equilíbrio hídrico e caso haja falta de água a sede aparecerá”, pontua Coelho.

Porém, mesmo não havendo um volume ideal a ser ingerido, o professor Roberto Zatz, da disciplina de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, coloca que certos grupos devem ficar mais atentos à quantidade de água: “Alguns grupos costumam ser encorajados a manter um certo nível de consumo, em geral algo próximo aos famosos dois litros/dia, para aumentar o fluxo urinário. Os exemplos são: indivíduos com infecção urinária ou com tendência a desenvolvê-la: embora não haja evidências conclusivas, firmou-se o conceito, muito razoável, de que um fluxo urinário alto dificulta a fixação de bactérias à via urinária; outro grupo que pode se beneficiar de um consumo mais alto de fluidos é constituído de pessoas com propensão a formar cálculos urinários ー as ‘pedras nos rins’. Na ausência de tais condições, não há fundamento para o conceito de que o hábito de consumir altas quantidades de água sirva para ‘limpar o organismo’ ou traga qualquer outro benefício”. 

Certos grupos devem ficar mais atentos à quantidade de água, como indivíduos com infecção urinária – Foto: Freepik

Controle

O mecanismo da sede é o principal alerta do corpo na questão da desidratação. O hábito de beber água recorrentemente só se faz necessário, do ponto de vista biológico, quando há a indicação de que o corpo está começando a ficar desidratado, ou seja, quando a sede aparece. “Habitualmente já ingerimos mais do que o suficiente ー quando comemos ou bebemos outros tipos de líquidos ー, e se por qualquer motivo deixarmos de fazê-lo, o mecanismo da sede nos obrigará a corrigir eventuais desequilíbrios. A sede é uma espécie de rede de proteção que garante que as perdas de água nunca superem os ganhos, evitando assim que o indivíduo se desidrate”, complementa Zatz.

Para realizar o controle da perda de água, os rins entram em cena. Eles são capazes de modificar a concentração da urina por meio da alteração da quantidade de água livre eliminada. Coelho explica que podemos eliminar de 150 ml, em condições de extrema perda de água ou falta de ingestão, a 20 l de urina em situações de abundância de líquidos e nutrientes. 

Além desses órgãos, o hormônio antidiurético (ADH), conhecido também como vasopressina, também atua na regulação da urina. Produzido na hipófise, Coelho comenta o funcionamento desse hormônio: “Quando a concentração de água no organismo diminui, a concentração de eletrólitos se concentra no sangue, aumentando a sua osmolaridade. Células sensíveis, os osmorreceptores sinalizam para a hipófise, que produz o ADH. Esse hormônio age nos rins, aumentando a reabsorção de água e concentrando a urina”. O cérebro, nesse processo, identifica a concentração sanguínea e, assim, controla o restante dos mecanismos de eliminação hídrica do organismo.

Efeitos

Roberto Zatz – Foto: Reprodução/YouTube (Hospital de Base SJRP)

É muito difícil o excesso de consumo de água ser perigoso, porém, existem algumas circunstâncias específicas que podem levar a isso: “Os rins têm uma grande capacidade de eliminar excessos de água, o que permite uma ingestão máxima superior a 15 litros por dia. Isso significa que, em geral, beber mais líquidos do que o necessário não causa grandes problemas (afinal, dificilmente alguém deseja ou consegue beber 15 litros de água ー equivalentes a 60 copos ou um copo a cada 15 minutos em um só dia). No entanto, existem algumas situações de intoxicação hídrica, uma espécie de ‘overdose de água’. Essa condição pode resultar de um consumo superior a 15 litros por dia ou de uma ingestão tão rápida, por exemplo, cinco litros em meia hora, que não há tempo para que os rins eliminem o excesso. Um acúmulo excessivo de água no organismo causa diluição de solutos e, em consequência, edema (inchaço) cerebral e um quadro neurológico grave que pode ter desfecho fatal”.

Zatz ainda adiciona que também existem grupos de risco, como alguns cânceres, que produzem anormalmente um hormônio que dificulta a excreção de água pelos rins, sendo a intoxicação hídrica uma das prováveis primeiras manifestações da doença. A doença renal crônica, conhecida também como insuficiência renal crônica, é uma condição em que ocorre a perda lenta dos rins, seja por hipertensão, diabete ou processos inflamatórios na maioria dos casos. Em fases avançadas, a capacidade de eliminar excessos de água é comprometida. Porém, como dito, esse excesso diz respeito somente a quantidades anormais de água ou quando existe alguma enfermidade que envolva isso; a água continua sendo essencial para a manutenção da saúde.

Idade

A questão etária é um dos fatores estudados pelo artigo, mas vale ressaltar as mudanças do corpo com relação à água, conforme a variação da idade. Zatz explica que os mais idosos têm maior dificuldade em economizar água quando preciso: “Se o idoso se mantém lúcido e ativo, não costuma haver grandes problemas. No entanto, a sensação de sede está frequentemente embotada nessas pessoas, especialmente se já têm algum acometimento neurológico sério, como acidentes vasculares (derrames) anteriores ou demência. Por essa razão, é frequentemente necessário oferecer-lhes água várias vezes ao dia, procedimento observado por bons cuidadores e casas de repouso. Quanto aos jovens, não há necessidade de qualquer recomendação especial. É evidente que indivíduos que praticam esportes necessitam de um consumo maior, que pode ser ativo (como no caso das maratonas de rua, em que há oferta de água ao longo do percurso) ou motivado pela sede. O mesmo vale para idosos que se mantêm fisicamente ativos”.

A questão da água, quando analisada do ponto de vista biológico, depende de diversos fatores individuais que juntos modificam a quantidade necessária a ser ingerida. Mas, mesmo não havendo um valor predeterminado, seu consumo é importante: “Água é a essência da vida e, por esse motivo, nosso organismo está preparado para conservá-la. Manter a saúde é aprender a ouvir o que o seu corpo fala. Consuma a água que precisa e evite os excessos. Uma forma simples de saber se você está ingerindo pouca água é olhar a sua urina. Se ela estiver bem alaranjada e em pouca quantidade, é provável que esteja concentrada e uma pausa para hidratação seja recomendável”, finaliza Coelho.


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