Ainda em seus primeiros meses de governo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, criou uma comissão para estudar a estrutura da Suprema Corte norte-americana. Composta de especialistas na área e membros de partidos diversos, a comissão também terá como objetivo estudar possíveis reformas para aquele que é o órgão Judiciário máximo do país. No mesmo ano, o presidente Jair Bolsonaro deve indicar seu segundo nome para compor o Supremo Tribunal Federal brasileiro.
A semelhança, porém, não é só essa. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a nomeação dos ministros do Supremo fica a cargo do presidente da República, fato que já gerou certas polêmicas na história de ambos os países. Já como presidente, por exemplo, Jair Bolsonaro indicou que pretende indicar um nome “terrivelmente evangélico” para o cargo de ministro.
Nos Estados Unidos, a questão gerou polêmica quando, dias antes das eleições de 2020, o então presidente Donald Trump indicou a conservadora Amy Coney Barrett. Anos antes, o democrata Barack Obama tentava o mesmo com outro nome, mas sua indicação foi negada sob o argumento de que, estando no fim do mandato, ele não teria legitimidade para conseguir a indicação. “Esse tipo de receio a uma partidarização da Suprema Corte não é novo, porém, temo que a polarização das últimas eleições nos EUA pareça ter contribuído para finalmente ser dado início a uma reflexão sobre como modificar tal situação”, analisa o professor André de Carvalho Ramos, da Faculdade de Direito da USP.
Uma vez escolhidos pelo presidente, os nomes devem ser aprovados pelo Senado. Trump, republicano, tinha maioria no Legislativo e conseguiu ter Amy Barrett como juíza. Obama, por outro lado, não encontrou um cenário tão favorável.
Durante esse processo, encontramos outra diferença. Enquanto nos Estados Unidos rejeições pelo Senado a indicados ao Supremo são mais frequentes – acontecendo 12 vezes, além de outras 11 em que o nome teve que ser retirado antes -, no Brasil essa é uma realidade distante. Aqui, somente cinco indicações foram negadas, todas elas no governo de Floriano Peixoto, no fim do século 19.
“O Senado se comporta não como instância representativa dos Estados, do conjunto do país, e sim como um parlamento que vai dar respaldo a uma indicação do presidente, a sua maioria”, explica o professor Elival da Silva Ramos, também da Faculdade de Direito, apontando como solução um aumento de quórum para a aprovação de um ministro no Senado – hoje, basta que 41 dos 81 senadores aprovem o nome -, o que forçaria um consenso maior entre os parlamentares em torno de um nome mais qualificado.
Por fim, especialistas destacam que, no Brasil, as atribuições de um ministro do Supremo são muito mais amplas que aquelas encontradas nas de um dos Estados Unidos. “O protagonismo do Supremo Tribunal Federal ganhou fôlego com a Constituição de 1988, que estabelece diversas menções para o Estado brasileiro que deveriam ser inicialmente cumpridas graças à ação do Poder Legislativo, que tem a função de legislar, e do Poder Executivo, que tem a função de administrar. Por isso, a chamada judicialização da vida social é consequência, que entendo natural, dessas missões”, opina o professor André de Carvalho.
O professor Ramos, por outro lado, enxerga que, com uma abrangência muito grande de competências pelo STF (que é uma corte responsável também por julgar recursos), a consequente falta de especialização do ministro se reflete em malefícios para o sistema político. Ele explica acrescentando, nessa equação, a disposição dos partidos políticos brasileiros: “Pelo nosso sistema partidário fragmentado, que gera um Congresso inativo, um Congresso que tem dificuldade deliberativa, o Supremo avança nas competências do Congresso Nacional e acaba legislando através de decisões e acórdãos. Esse ativismo, portanto, brasileiro, ele é uma disfunção sistêmica e que você não nota no mesmo nível nos Estados Unidos”.
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