Violência sexual na USP: mito, exagero ou realidade?

Eva Alterman Blay é professora titular sênior do departamento. de Sociologia e coordenadora do USP Mulheres

 28/09/2018 - Publicado há 6 anos
Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Consideremos algumas situações: você está numa festa entre estudantes, no campus, e um colega tenta te beijar à força? Isso é uma violência sexual? Complicado responder afirmativamente sem titubear, concordo. Então consideremos outra situação: alguém, sem que você manifeste que queira, toca em áreas íntimas do seu corpo. E aí? É uma violência sexual? Pode-se continuar com alguma dificuldade em qualificar. Então vamos a uma terceira situação: alguém forçou você a ter relação sexual, realizar penetração de pênis, de dedos ou objetos em seu ânus ou vagina ou ainda forçou você a ter uma relação sexual de natureza oral. Isso é uma violência sexual?

Essas perguntas foram feitas na pesquisa Interações na USP, realizada pelo Escritório USP Mulheres, por meio de um questionário online e sigiloso enviado a todo o corpo discente de graduação e pós-graduação da USP, matriculado no segundo semestre de 2017. Considerando apenas a última questão acima em que se explicita “alguém forçou você a ter uma relação sexual” desde que você entrou na USP, o resultado foi o seguinte: de um total de 8.836 respondentes 1% respondeu afirmativamente. Isso significa que cerca de 88 estudantes (auto identificados como gênero feminino ou não-binário) sofreram esse tipo de violência sexual. O nome dessa forma de violência é estupro.

É a primeira vez que temos dados concretos resultados de pesquisa para fatos dessa natureza na USP. A violência sexual contra universitárias/os sabidamente é uma violência traumática que ocorre no Brasil e nas outras universidades do mundo. Jovens do gênero feminino, masculino ou de outras definições sexuais, de diferentes etnias e condições socioeconômicas infelizmente estão sujeitos a essa  violência. Os efeitos são desastrosos, podem marcar a vida da pessoa, comprometer sua estabilidade emocional, suas relações afetivas, seus planos futuros e sua trajetória acadêmica na universidade. Carreiras ficam paralisadas, são interrompidas ou abandonadas precocemente.

Consideremos algumas situações: você está numa festa entre estudantes, no campus, e um colega tenta te beijar à força? Isso é uma violência sexual? Complicado responder afirmativamente sem titubear, concordo

Vivemos numa sociedade em que ainda se valorizam as “conquistas sexuais”. Sociedade na qual  o homem heterossexual se jacta de sua masculinidade medida pelo número de mulheres que consegue “dominar” sexualmente. E na qual a mulher é tida como sua propriedade, um bem sexual até a morte. Não por acaso matam aquelas que ousam se libertar de um namorado, noivo ou marido. E não é diferente na universidade: aqui dominam, perseguem e desqualificam aquelas que denunciam. A universidade precisa se conscientizar de que seu papel é mostrar à sociedade que a palavra da mulher não pode ser desqualificada como historicamente tem sido e não apenas no campo da violência sexual. Forçar uma mulher a uma relação sexual – contra sua vontade – é um comportamento que viola as relações entre as pessoas. No âmbito acadêmico, não se trata de prender o acusado, mas de mostrar aos estudantes, funcionários e professores que novos valores regem a convivência universitária. E que as diversas formas de violência não serão toleradas. O modelo a ser criado nas universidades deve se expandir para todas as escolas.

Há 50 anos a universidade brasileira repelia o tema “mulher” em seus cursos. A invisibilidade feminina era tão atroz que docentes e alunos/as não enxergavam a violência de gênero e a desigualdade. O trabalho produtivo das mulheres, assim como o reprodutivo, não tinha valor. O que se passava entre quatro paredes não cabia ao poder público, portanto, matar, estuprar e violentar ficava restrito ao sagrado recinto do lar,  até quando o lar deixou de ser sagrado. As paredes caíram porque as mulheres com coragem foram a público denunciar. A sociedade contemporânea exige novas normas e comportamentos em que o patriarca seja substituído por homens e mulheres educados numa cultura democrática e igualitária, em que de fato vigorem os direitos humanos para todos e para todas.

Queremos superar esse passado patriarcal transformando juntos esses paradigmas.

Agradeço a colaboração da Psicóloga Dra. Prislaine Krodi dos Santos   

Publicado originalmente pela Agencia Patricia Galvão

 


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