“There is no planet B”: questões econômicas e ambientais no Fórum de Cooperação Econômica Internacional

Por Josué Carlos Souza dos Santos, doutorando na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, e Gilvete de Lima Gabriel, doutora pela Universidade Federal de Roraima (UFRR)

 Publicado: 28/11/2024 às 18:08
Josué Carlos Souza dos Santos – Foto: Arquivo pessoal
Gilvete de Lima Gabriel – Foto: Arquivo pessoal
Nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, o Brasil sediou o Fórum de Cooperação Econômica Internacional, o G20, no Rio de Janeiro, assumindo um protagonismo no palco internacional com a presidência do evento. A presidência brasileira trouxe temas como a mudança climática, combate à fome, desigualdade e a reforma da governança global para o topo da agenda, com debates que buscaram unir lideranças em torno de soluções aos principais desafios globais enfrentados e que demandam uma agenda econômica e forte atuação prática por parte de seus líderes e representantes.

A sustentabilidade ambiental foi um dos pilares do evento. O Brasil destacou iniciativas ligadas à bioeconomia e à valoração dos serviços ambientais, além de reforçar compromissos do Brasil estabelecidos com os objetivos do Acordo de Paris. Este acordo, assinado em 2015, representa um esforço conjunto internacional (aprovado por 195 países) no que diz respeito à redução das emissões de gases de efeito estufa e assim estabelecer compromissos de sustentabilidade em relação às grandes mudanças climáticas de nosso tempo.

Naquele acordo (de Paris), entre os principais compromissos do Brasil, destacam-se: reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030 em relação aos níveis de 2005; promoção do uso de “tecnologias limpas” nas indústrias; reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas (o que significa pensar em políticas públicas de reduzir o desmatamento), entre outros. Já no G20 de 2024, entre as propostas apresentadas, está o fortalecimento da economia circular e a implementação de mecanismos de adaptação frente a eventos climáticos extremos.

Este último ponto foi especialmente relevante diante dos desastres naturais recentes que afetaram diversas regiões do globo. O foco na preservação dos oceanos também emergiu como prioridade, demonstrando a interconexão entre a proteção ambiental e a economia global​.

Outro destaque da cúpula foi o compromisso de combater a fome e a pobreza. A presidência brasileira enfatizou a urgência de ações voltadas para a segurança alimentar, incluindo investimentos em tecnologias agrícolas sustentáveis e apoio financeiro a países vulneráveis. Essa abordagem está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, criados em 2015 também como parte da agenda de interesses globais de pensar as mudanças climáticas com ações práticas de desenvolvimento sustentável, isto é, a Agenda 2030, reforçando que o combate à desigualdade não é apenas um imperativo ético, mas também estratégico para a estabilidade global​.

Na esfera da saúde, foi firmado um consenso em torno do conceito de “Uma Só Saúde”, um comitê que surgiu como desdobramento do grupo de trabalho do Ministério da Saúde e que integra questões humanas, animais e ambientais. Reconhecendo que mudanças climáticas impactam diretamente a saúde pública, líderes destacaram a necessidade de fortalecer sistemas de saúde resilientes e financiar ações globais para mitigar esses efeitos. A criação de uma coalizão para produção local de vacinas e tecnologias também foi anunciada, com o objetivo de reduzir desigualdades no acesso à saúde, especialmente em países de baixa e média renda​.

O presidente Lula utilizou a ocasião para reiterar a necessidade de uma nova ordem internacional. Entre as propostas está a reforma do Conselho de Segurança da ONU e das instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, para torná-las mais inclusivas e adaptadas às necessidades do século 21. Além disso, a sugestão de melhoria nas agendas e interesses dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, que incluem repensar as dívidas externas e outras questões de impactos econômicos significativos, também foi uma pauta amplamente discutida.

O Brasil também promoveu uma espécie de (re)globalização sustentável, defendendo um modelo econômico que priorize a justiça social e ambiental frente ao protecionismo crescente em países desenvolvidos​. Isso pode ser percebido com o destaque para a importância das políticas públicas no acesso às questões sanitárias, de água e higiene ao redor do globo e também a reafirmação da importância dos governos de adotar estratégias e políticas públicas em torno das questões étnico-raciais, isso já demonstrado anteriormente com a sugestão voluntária do Brasil a respeito da criação do 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU, isto é, a promoção da igualdade étnico-racial, na 78ª Assembleia Geral da ONU, no ano de 2023, e reforçada agora no G20.

A cúpula do G20 no Brasil simbolizou um momento crucial para reafirmar compromissos multilaterais em um contexto de crescentes desafios globais, apontando a grande importância do Sul global nas discussões e interesses internacionais. O protagonismo brasileiro trouxe visibilidade a problemas que afetam desproporcionalmente países em desenvolvimento e reforçou a necessidade de cooperação para alcançar soluções coletivas. Ainda que muitos dos acordos sejam de médio a longo prazo, a presidência brasileira conseguiu colocar na agenda global temas urgentes e complexos que exigem um esforço coordenado e sustentado. O evento finalizou com “o passe do bastão”, isto é, a presidência do G20, para a África do Sul, que sediará o próximo encontro. Destacou-se, nesse momento de passagem de liderança, a manutenção do G20 social, isto é, a participação da sociedade civil com propostas e discussões que se somam às dos representantes.

O sucesso dessa liderança será medido nos próximos anos, à medida que as nações implementem as resoluções discutidas. O Brasil deixa um legado importante ao destacar que soluções sustentáveis e equitativas não são apenas possíveis, mas indispensáveis para o futuro da humanidade. De fato, como diz Mike Berners-Lee, “there is no planet B” (Não existe planeta B).

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