Reminiscências: ser caloura na Faculdade de Filosofia da USP em 1959…

Lighia Brigitta Horodynski-Matsushigue é professora colaboradora sênior do Instituto de Física (IF-USP)

 08/04/2019 - Publicado há 5 anos

Lighia B. Horodynski-Matsushigue – Foto: José Clovis de Medeiros Lima

Que alegria! Entrei no curso de Física da FFCL-USP, na primeira tentativa e sem fazer cursinho. Era o fim da década de 50 e tudo pareciam flores e alegria: nada de mal poderia acontecer, superadas duas guerras mundiais e suas consequências… Havia estudado, por minha conta, durante o longo verão de 1959: revisão de todas as matérias do Colegial. Alcancei, pois, o objetivo que foi sendo construído durante o curso Científico, passo a passo, em contato com meu professor de Física, recém-formado e já empregado junto ao Reator Nuclear de Pesquisa, instituição que se tornaria o Ipen. Naquela época não havia limitação no número de ingressantes, mas havia um rigoroso exame oral e era necessário que se alcançasse a nota mínima de 5,0, em todas as matérias! Por incrível que pareça, minha pior pontuação foi em língua estrangeira. Escolhi minha língua materna – o alemão (havia vindo ao Brasil com nove anos, recém-completos, e feito dois anos e meio do ensino básico na Áustria) – mas desconhecia que seria avaliada como se quisesse entrar no Curso de Alemão da  FFCL… A minha turma na FFCL, considerada a do Sputnik – lançado pouco antes pela URSS, inaugurando assim a era espacial era precedida e sucedida por turmas muito menores e continuou junta durante praticamente toda a graduação. Constituímos, ao longo de todo curso, um grupo muito unido, tanto que conseguimos comemorar festivamente os nossos 25 anos de formatura e, depois, e mais serenamente, os nossos 50, em 2012…

No antigo Departamento de Física da faculdade permanecemos, como pós-graduandos, Kasuo Ueta e eu e, mais tarde, retornando de anos de trabalho no Ipen, veio a colega Lia Queiroz do Amaral, enquanto outros permaneceram naquela instituição. Vários colegas foram para a Unicamp – então, em formação – ou mesmo voltaram aos seus estados de origem.

A FFCL, na época ainda situada na histórica Maria Antonia, era o centro da efervescência política de toda a Universidade e boa parte do curso, a que versava exclusivamente sobre a teoria da Física ou a relacionada com conteúdos da matemática, continuava sendo oferecida lá. Contudo, a parte experimental e algumas matérias mais avançadas já eram oferecidas no campus do Butantã, então acessado apenas pelas atuais passagens pelo Instituto Butantã – quase tudo, menos o prédio da Biologia, que até hoje existe, constava apenas de projetos. Até mesmo do futuro IF havia apenas o prédio Jafet e seu anexo, mas já existiam dois Laboratórios de Pesquisa em Física: o do Betatron (que foi substituído pelo Acelerador Linear) e o do Van de Graaf (sucedido pelo Pelletron). E a efervescência, também a científica, permeava todos os ambientes. Era uma alegria fazer parte dessa aventura!

O Grêmio da FFCL era extremamente ativo em nossa época, em particular também durante a gestão do colega Fuad Saad, também do Curso de Física (um ou dois anos posterior a mim). Sob sua iniciativa, fizemos várias viagens, para ajudar a entender um pouco mais esse imenso país. Assim, fomos de ônibus a Brasília (recém-inaugurada…) e ao extremo sul (Porto Alegre).

Tivemos aulas com professores e pesquisadores conhecidos, como Mario Schenberg e José Goldemberg, além de Ernst Hamburger, que foi meu orientador de iniciação científica. Amélia Hamburger, sua esposa e mãe de Carlos (Cao) Hamburger, além de outros quatro filhos – todos muito conhecidos em suas respectivas áreas de atuação – foram pessoas importantes na minha formação.

Ao término do curso, em 1962, já se prenunciava a virada dramática que viria a acontecer dois anos depois. Vivi algumas escaramuças com estudantes do Mackenzie, do outro lado da Rua Maria Antonia; esses nos atacavam, com o mote de “comunistas”, mas estávamos longe de imaginar o que estava sendo gestado: o golpe de 1964. Mas: sobrevivemos também a isso, embora essa tomada forçada do poder pelos militares tenha custado caro a muitos cientistas e militantes. Amélia e Ernst Hamburger tiveram que pagar um preço alto por suas convicções políticas, mas nunca deixaram de acreditar, assim como eu, que os bens materiais e, especialmente, os intelectuais, precisam ser compartilhados por toda humanidade! E, aí, a educação pública de qualidade, mais ainda no ensino superior, precisa ser mantida ou resgatada, a todo custo!

 

 


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