Reflexões sobre cultura institucional e as universidades

Por Maria Arminda do Nascimento Arruda, professora titular de Sociologia e diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

 05/08/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 30/08/2019 as 14:46

Maria Arminda do Nascimento Arruda – Foto Marcos Santos/USP Imagens

A noção de cultura institucional estabelece um vínculo entre dois conceitos, cujo significado preciso está longe de ser consensual: a definição de cultura compreende desde um sistema de valores que definem a existência das sociedades, isto é, da totalidade integrada do complexo social, uma vez que a cultura define o humano, até as expressões imaginárias da criação, como as formas de religiosidade, os mitos, as ideologias, o conhecimento, a arte; a instituição, por sua vez, pressupõe, igualmente, a existência de um sentido comum compartilhado, ou seja, um conjunto de pessoas – atores – que agem de acordo com valores coletivamente partilhados, segundo regras definidas e normativamente fixadas, definidoras de um sistema de objetivos reconhecidos.

Tais conceitos são, portanto, mutuamente referidos, dado que tanto a cultura, quanto a instituição, definem sistemas normativos de orientação da ação humana, seja em contextos gerais (uma nação), seja particulares (a família, a empresa e a universidade). Nesses termos, é possível dizer que as distinções conceituais resultam da perspectiva de análise, que pode privilegiar o universo da significação geral (a cultura de um povo), ou específico, a cultura popular, erudita, literária, científica, por exemplo, ou então um contexto normativamente organizado que fixa o universo das ações dos sujeitos sociais. Por essa razão, os conceitos são aparentados e as suas distinções ocorrem em função da natureza da ênfase, isto é, a produção simbólica enquanto atribuição geral de sentidos, ou então as regras e o marco normativo que circunscrevem o raio de alcance possível dos significados e comportamentos. Nos dois casos, as predisposições são adquiridas, vale dizer, seguem princípios transmitidos e adquiridos, que se tornam subjetivamente interiorizados, denominados pela ciência social de socialização, em função do seu caráter de aprendizado. Nesse cenário, a cultura institucional refere-se a um projeto coletivo – o que não quer dizer único e totalmente consensual – que baliza um universo comum de crenças no âmbito de uma organização, que torna as suas ações institucionalizadas, na acepção de serem coerentes com as normas construídas em sistemas sociais circunscritos.

A universidade é uma instituição, visto que instituiu modos de sentir, pensar e fazer com permanência e coletivamente reconhecidos, que estabelecem as condutas admitidas e não permitidas de um grupo social particular. Por essa razão, a cultura institucional sanciona ou veta de maneira explícita e mesmo implícita ações que divirjam, idealmente, das normas e regulamentos superiores. Tal dimensão é comumente denominada de instituída e convive com movimentos instituintes, quando novos sentidos são formados, visto que as instituições não são necessariamente compostas de entidades idênticas. No entanto, é parte integrante da cultura organizacional o compartilhamento de princípios comuns, capazes de criar reconhecimentos mútuos e fortalecer o espírito do seu corpo de participantes, numa teia coordenada de relações interpessoais, que não dispensa, antes pressupõe, responsabilidades e hierarquias. As instituições, todavia, mudam dado o seu caráter histórico e de organismo social, porém é próprio da sua condição a presença de certo denominador comum de crenças, desejos e projetos.

O compartilhamento desse conjunto de orientações é reforçado na convivência, que, similarmente, institui ações interditas e sancionadas, denominadas de sociabilidade, cuja forma mais perfeita ocorre entre pares. A sociabilidade, todavia, pode ser questionada por vários fatores, por exemplo quando uma parte se sobrepõe a outra e a estrutura normativa passa a dominar, ou quando a organização é externamente desestabilizada. Esses momentos, em especial, exigem referendar os valores do grupo, ocasiões propícias ao fortalecimento das crenças e representações coletivas, sob pena de desestabilização da estrutura institucional. Nessas circunstâncias, a coletividade costuma se impor sobre as particularidades, referendando a sua cultura interna.

A cultura institucional, naturalmente, é produto de processos de elaboração, por vezes seculares, como é o caso das universidades; apesar das suas transformações e adaptações ao longo da sua história, a instituição herdou certos princípios e valores academicamente reconhecidos por seus participantes. A maneira como entendemos a vida universitária foi moldada por uma cultura particular que se sedimentou; de forma semelhante a nossa visão dos Sertões no Brasil é fruto do modo como Euclydes da Cunha e Guimarães Rosa o imaginaram para nós e transmitiram por meio dos seus livros a seguidas gerações de leitores seduzidos por suas imagens.


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