Quem vai pagar a conta?

Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP

 06/11/2020 - Publicado há 3 anos
Paulo Feldmann – Foto: FEA-USP
O rombo fiscal deste ano, nele incluídos os juros que o governo federal precisa pagar, já supera R$ 1 trilhão. Não apenas é o maior de nossa história, mas, de acordo com a revista britânica The Economist, é o terceiro maior do mundo. Esse déficit enorme se deve à queda na arrecadação decorrente da diminuição da atividade econômica, mas também ao aumento dos gastos do governo referentes à pandemia, aí incluído o auxílio emergencial. A questão que se coloca é como o Brasil pode voltar a ter uma situação fiscal equilibrada.

Claro que o ideal seria o País voltar a crescer de forma vigorosa, pois assim voltariam os empregos, os investimentos e, para o governo, a arrecadação de impostos. Infelizmente, se isso acontecer, será apenas em 2022.

Agora, o caminho mais adequado seria promover uma reforma tributária que tornasse o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) um imposto relevante e justo, aumentando significativamente a arrecadação. Injustiças não faltam, a começar pelo fato de que os super-ricos pagam muito pouco se comparados à classe média.

Mas a injustiça não para por aí. Enquanto na grande maioria dos países o IRPF é o principal imposto, no Brasil ele tem um papel menor, representando apenas 17% do total que se arrecada no país. No Brasil, a grande maioria da arrecadação vem de impostos sobre produtos e serviços, como ISS, IPI ou ICMS. Acontece que esses modelos de impostos oneram os ricos e os pobres da mesma forma: todos pagam o mesmo sobre o quilo de feijão; o que, convenhamos, não é justo.

Na questão da taxação sobre as heranças, também fazemos o contrário da maioria dos países, que aplica uma taxa de 18%, enquanto a nossa é, na média, 4%. Fala-se que há o perigo da fuga de capitais, mas a verdade é que os bilionários, quando deixam o Brasil, o fazem por medo da violência — nunca pelos impostos.

Recentemente, a imprensa divulgou o levantamento da Oxfam, uma instituição internacional que mede o tamanho da pobreza no mundo. Por esse levantamento soubemos que o Brasil conta com 210 famílias bilionárias. Em apenas três meses, de março a junho deste ano, 20% deste grupo privilegiado —apenas 42 famílias— aumentaram sua fortuna em R$ 176 bilhões. Enquanto isso, 60 milhões de brasileiros dependem do auxílio emergencial para viver, o que custa ao governo R$ 36 bilhões por mês.

Ou seja, apenas o ganho trimestral dessas 42 famílias equivale a cinco meses do que o País gasta com o auxílio emergencial. Pelo mesmo levantamento soubemos que aquelas 210 famílias brasileiras super-ricas possuem bens equivalentes a R$ 1,7 trilhão, mas, no Brasil, não há imposto sobre patrimônio — exceção feita ao IPTU municipal.

Existe uma proposta de reforma tributária, em discussão no Congresso, que foi elaborada em conjunto por deputados, senadores e técnicos da Receita Federal. Chama-se RTS (Reforma Tributária Solidária). Ela propõe muitas das medidas acima mencionadas, que, se implementadas, trarão uma arrecadação adicional de R$ 290 bilhões ao governo federal. E isso taxando menos de 4% dos brasileiros.

O fato é que temos uma oportunidade única de resolver as várias mazelas brasileiras se levarmos à frente uma reforma que realmente ponha o dedo na ferida. Precisamos dar poder de consumo à imensa maioria da população brasileira, que é muito pobre. Os super-ricos precisam entrar com sua cota de sacrifício. Só uma reforma tributária justa e bem feita pode promover isso.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 4/11/2020


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