Quem tem coragem de falar sobre assédio na universidade?

Eva Blay é professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e coordenadora do Escritório USP Mulheres

 06/12/2017 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 07/12/2017 as 8:43

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Eva Blay – Foto: Cecília Bastos/USP imagens.

No passado não se falava sobre os homens que atreviam a se aproveitar das meninas! Quando o assunto veio à tona numa roda de colegas, ouvi incríveis artimanhas do seguinte tipo: “Se um homem se sentar ao seu lado no cinema você mude de lugar!”; “Leve sempre com você um alfinete e se alguém se encostar use o alfinete!”. Ridículo ou cômico? Nossas avós ou mães não tinham outra maneira de defender suas filhas. Isso quando ousavam tratar do assunto. A maioria calava…

Minha geração começou a falar, mas ainda não sabia como reagir. Se uma mulher reclamasse era “xingada” de feminista, como se alguns homens tivessem o direito de desrespeitar nosso corpo.

Conto esses fatos, pois fiquei absolutamente encantada ao ouvir de professores de Educação Física: “Você tem o direito de ter o seu corpo respeitado!”. No último sábado, durante as Oficinas Abertas de Autodefesa no Cepeusp, uma iniciativa do USP Mulheres, ouvi dos professores Andrei Delgado, Vinicius Heine, Luis Fernando Rodrigues, Junelson Oliveira, Luiz Valentim Vaz e Mestre Gladson frases como: “Vocês mulheres foram ensinadas a falar com voz baixa, a não bater, mas a voz tem de ser usada com força para sua defesa! Defenda-se, use sua voz, grite, fale firme! Faça com que quem está ao seu redor ouça que você está sendo incomodada. Torne público o que está acontecendo. Você tem o direito de se defender, não tenha medo de usar sua força. Olhe nos olhos do agressor, não desvie seu olhar, encare!”.

No movimento da ONU HeForShe houve muita discussão quando se imaginava que estaríamos dando aos homens o protagonismo da defesa das mulheres. Ao contrário: o que vimos nas Oficinas de Autodefesa foi exatamente homens se aliando às mulheres e mostrando o que podemos fazer em casos de ataque ou agressão física. Brincando de lutar, eles aprenderam desde pequenos a atacar e a se defender e estavam ali para nos mostrar como também podemos fazer o mesmo.

Depois de décadas na USP, nunca encontrei homens com tanta empatia e solidariedade para nos ensinar e apoiar como enfrentar os assédios sexuais e estupros que atingem mulheres de todas as idades.

Como evitar que um colega ou professor que se sente no direito de passar a mão em nossa cabeça (e é assim que o assédio começa) e até aquele que para nos cumprimentar abraça, comenta nosso corpo, nossa roupa, convida insistentemente  para uma praia de nudismo ou para uma balada, um restaurante? E os “descuidados” no ônibus ou no metrô que acham que podem encostar em nosso corpo (todos os casos são verídicos)? Tudo isso foi discutido naquele sábado.

Depois de décadas na USP, nunca encontrei homens com tanta empatia e solidariedade para nos ensinar e apoiar como enfrentar os assédios sexuais e estupros que atingem mulheres de todas as idades.

As Oficinas de Autodefesa foram organizadas para nos incluirmos na campanha internacional 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Colaboraram voluntariamente o Cepeusp, a LAAUSP e Delgado Jiu-Jitsu. Fundamental o apoio da Prefeitura do Campus e da Superintendência de Segurança.

Espero que as Oficinas de Autodefesa para mulheres, assim como os cursos sobre Gênero, continuem na próxima gestão que se inicia em 25 de janeiro.

 

São Paulo, 3 de dezembro de 2017

 


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