Quanto vale a matemática para o Brasil?

Marcelo Viana é matemático, diretor-geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France

 09/10/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 23/10/2017 as 7:38

Foto: Divulgação/Cemeai-USP

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Marcelo Viana – Foto: Divulgação IEA/USP

Napoleão Bonaparte, profundamente interessado por ciência, escreveu que “o avanço e a perfeição da matemática estão intimamente ligados à prosperidade do Estado”. Com essa visão, o imperador comandou a construção do Estado francês moderno, após a Revolução de 1789, dotando o país com instituições científicas e universidades que contribuem para a grandeza e a prosperidade da França até os dias de hoje.

A matemática tem valores que não podem ser quantificados. Ao lado da correta fluência da língua materna, o conhecimento das ideias básicas da matemática é condição-chave para a realização da cidadania. O encanto de observá-la explicar os mistérios do Universo, o entusiasmo das crianças resolvendo problemas das olimpíadas escolares, a imagem do brasileiro Artur Avila ganhando a Medalha Fields 2014 –maior prêmio da matemática mundial–, nada disso tem preço.

Porém, é importante indagarmos qual é a contribuição efetiva da área e da ciência como um todo para a riqueza de um país, ainda mais em tempos de escassez de recursos. Cientistas vivem lembrando que pesquisa e educação são investimento, não custo. Mas como convencer as sociedades do século 21 e provar (matematicamente) que o resultado é concreto e tangível? Alguns países desenvolvidos responderam a essa questão de forma contundente.

Em 2010, a agência nacional britânica de pesquisa EPSRC (Engineering and Physical Sciences Research Council) encomendou a uma consultoria a avaliação do impacto da matemática na economia do Reino Unido. As conclusões do estudo surpreenderam até os mais otimistas: a matemática gera diretamente 2,8 milhões de empregos (10% do total) e 208 bilhões de libras por ano, ou 16% da economia do país. Mais ainda, a produtividade desses empregos é o dobro da média. A matemática contribui com trabalhadores qualificados, para produtos de ponta e o desenvolvimento de processos de qualidade. Gera crescimento, com impacto nos setores bancário, financeiro, farmacêutico, de computação, engenharia, construção, administração pública e defesa.

O exemplo britânico foi seguido por FrançaHolanda e Austrália. Com variações nos detalhes, a conclusão é sempre a mesma: a matemática tem um peso notável, direto e indireto, na produção de riqueza. O estudo francês conclui ainda que 44% das tecnologias mais importantes para o país são fortemente impactadas pelos avanços em matemática.

E quanto vale a matemática para o Brasil? Vamos fazer a conta: o PIB brasileiro é de R$ 6 trilhões anuais. Se o potencial de impacto econômico é da ordem de 16%, como nos outros países, então a matemática vale quase R$ 1 trilhão por ano.

Infelizmente, as avaliações nacionais e internacionais de nosso sistema educacional mostram claramente que não formamos jovens com capacitação matemática e científica para essas profissões –não na escala que o país necessita. A verdade deprimente é que estamos deixando de produzir (e ganhar) boa parte desse R$ 1 trilhão.

Não há melhor momento para apostar no futuro do que este, em que o Brasil celebra o Biênio da Matemática 2017-2018, sediando a Olimpíada Internacional de Matemática e o Congresso Internacional de Matemáticos, os mais prestigiosos eventos mundiais na área. Aplicar recursos para mudar radicalmente esse quadro e assegurar aos nossos jovens a formação matemática e tecnológica exigida pelo século 21 não é custo. É o melhor investimento possível, com taxa de rentabilidade superior a qualquer outro.

Napoleão Bonaparte sabia disso.

 

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Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo em 03.03.2017

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