Instituições procuram prestígio, mas na atual estrutura do ensino superior tal deferência está especialmente vinculada à pesquisa. Essa constatação pode levar à falsa percepção de que o ensino e a pesquisa são atividades em conflito, em vez de serem complementares entre si, assim como também o é a extensão. A maior importância relativa de cada uma dessas atividades varia conforme a posição que a instituição ocupa no amplo espectro de ações universitárias, que se estendem da pesquisa pura até a simples transmissão de conhecimentos. No caso de instituições de renome internacional vocacionadas para a produção de conhecimento, como a USP, a ênfase na pesquisa é evidente e claramente justificada.
É natural haver universidades com este papel no País, uma vez que elas são o espaço compartilhado de investigação que une os díspares elementos visando à busca de descobertas inovadoras.
Esta foi uma das razões para a criação da USP há 90 anos, pois se reconheceu a importância da pesquisa e sua correlação com a prosperidade. Tal papel vem sendo cumprido com excelência e, não por acaso, a USP é referência nacional e internacional na produção de conhecimentos.
Ocorre que a construção de novas ideias numa instituição de pesquisa está intimamente vinculada ao ensino na graduação e pós-graduação, assim como à disseminação dos conhecimentos para a sociedade, em um processo de retroalimentação. Ao subordinar o ensino (e a extensão) à pesquisa, reforça-se a premissa de que a pesquisa é a faceta proeminente da universidade. Portanto, se existe alguma intenção em reconhecer que o ensino é tão importante quanto a pesquisa, parece apropriado distinguir os professores efetivamente engajados nesta atividade e dar a eles o mesmo nível de importância que seus pares mais dedicados à pesquisa.
Os modelos de avaliação da competência no ensino permanecem mais ad hoc do que deliberativos e são mais superficiais do que substantivos. Visto que, via de regra, os professores da USP não foram treinados para ministrar aulas, é muito provável que haja resistências para a implementação de sistemas mais consistentes de avaliação do ensino. Tal percepção é reforçada quando se postula que qualquer pessoa possui uma habilidade inata para ensinar, sem a necessidade de treinamento pedagógico. Enquanto tal condição é prevalente em alguns poucos casos, a prática mostra que o processo sistemático pedagógico aprimora a interação adequada do professor com os alunos. De modo similar, o intenso manuseio do método científico durante um doutoramento forma pesquisadores de bom nível. Fica patente, portanto, a necessidade de uma etapa de treinamento pedagógico para subsidiar o trabalho dos docentes em sala de aula, especialmente no caso dos jovens professores contratados mais recentemente.
Os docentes tentam ser eficientes no uso de seu tempo. Se uma tarefa não está sendo valorizada de modo efetivo, com justa avaliação e recompensa, eles vão se dedicar a atividades mais bem reconhecidas pelos órgãos decisórios. Não se trata apenas de uma questão de remuneração salarial, ascensão na carreira ou de um debate sobre a maior valorização do ensino em relação à pesquisa e à extensão. Um sistema que não avalia eficazmente o ensino prejudica os alunos, especialmente aqueles que ingressam na universidade com formação escolar menos privilegiada. Além disso, o engajamento dos professores nas atividades de graduação pode ser decisivo para a diminuição dos níveis de evasão e para estimular os alunos a acumular o maior conhecimento possível e vivenciar a instituição em toda a sua amplitude, com retornos mais significativos para a sociedade.
Como atributos de um bom professor, pode-se citar, por exemplo, conhecimento do assunto, organização e clareza na exposição de ideias, material adequado e discussões em aula alinhadas com o processo de avaliação, habilidade para despertar a curiosidade dos alunos e promover a confiança, disposição a se adaptar à nova sala de aula e às últimas inovações de ensino. Estratégias de avaliação da qualidade do ensino são várias e incluem a opinião dos alunos em formulários específicos, visita à sala de aula por pares, relatórios das atividades (com informação sobre a elaboração de materiais didáticos e melhorias nas aulas e experimentos), dentre outras. Todas possuem vantagens e desvantagens, e cumpre destacar que este assunto tem sido discutido há décadas nas principais universidades do mundo e que não existe um modelo pronto de avaliação (Interpreting and using student ratings data: Guidance for faculty serving as administrators and on evaluation committees, Studies in Educational Evaluation 54 (2017) 94–106). A ferramenta mais adequada será aquela que possuir mais elementos úteis para responder à pergunta fundamental: “o que é bom ensino?”. Um projeto institucional com foco nesta pergunta e no qual sejam buscadas estratégias mais apropriadas de ensino com base em evidências resultantes do processo avaliativo seria altamente benéfico para os professores e o aprendizado dos alunos.
Todavia, mais importante do que o modelo adotado de avaliação do ensino é a criação de um ambiente acadêmico favorável para a discussão do assunto nos órgãos centrais da Universidade, especialmente visando à identificação de forças de resistência a mudanças. À comunidade universitária caberia formatar este novo modelo de avaliação com uma visão de longo prazo, pautada na sobrevivência da Universidade como uma instituição que interage com a sociedade e reconhece seu papel na formação de recursos humanos altamente qualificados. Neste novo contexto, em que os atores podem ter papéis diversificados (pesquisa, ensino e extensão) e serem igualmente valorizados, a instituição pode exercitar sua flexibilidade e habilidade de interagir com o meio externo de modo mais convincente, aperfeiçoando as práticas acadêmicas sustentadas por recursos públicos.
Todo tipo de avaliação é complexo e, se o processo não for muito bem delineado e discutido amplamente com todos os envolvidos, as consequências podem não ser as desejadas. Na USP, este assunto tem recebido atenção em algumas unidades, nas quais diferentes protocolos de avaliação do ensino têm sido implementados. Entretanto, como já mencionado, mais interessante seria a concepção de uma política institucional sobre o tema, pois a diversidade de opiniões traria ricos subsídios para a construção de modelos robustos de aferição da qualidade do ensino. A inexistência de uma prática geral para a construção de métricas de avaliação no ensino nos deixa sem parâmetros de análise. Lord Kelvin (1824-1907) descreveu com precisão possíveis implicações da falta de métricas:
When you can measure what you are speaking about, and express it in numbers, you know something about it; but when you cannot measure it, when you cannot express it in numbers, your knowledge is of a meagre and unsatisfactory kind: it may be the beginning of knowledge, but you have scarcely, in your thoughts, advanced to the stage of science, whatever the matter may be.
Um dos 12 desafios estratégicos da USP a serem implementados até o final do próximo ano é “Valorizar as atividades de ensino e aprimorar a formação pedagógica docente”. Contudo, parece que nos deparamos com a clássica situação do ovo e da galinha. Os professores não veem sentido na revisão mais rigorosa da qualidade do ensino até que esse trabalho seja valorizado a contento. A administração central compreende que o bom ensino é um empreendimento complexo e que o assunto merece mais atenção, mas não há instrumentos fidedignos de monitoramento. Persistindo esta situação, os prejudicados são o ensino, os professores e os alunos.
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