Parque da Raia Olímpica da Cidade Universitária

Eloisa Balieiro Ikeda é mestra em Arquitetura pela FAU

 31/03/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 03/04/2017 as 15:49

Eloísa Balieiro Ikeda - Foto: Facebook

Eloísa Balieiro Ikeda – Foto: Facebook

Parques latentes em São Paulo

Existe muita área verde em São Paulo. Em 2013, segundo o Observa Sampa[1], havia 14,07 m² de cobertura vegetal pública por habitante, uma proporção que supera o mínimo de 12,00 m² recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O mesmo instituto indicava também que, nesse ano, 40,79% da área que ocupa a cidade era verde, índice reduzido em 5,78% em relação ao ano anterior. Se considerarmos a metrópole de São Paulo, essa proporção aumenta, pois são incorporadas vastas áreas rurais e de mata atlântica.

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Município de São Paulo: Parques, Reservas Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental – Fonte: site da Prefeitura de São Paulo – prefeitura.gov.sp.br

A impressão que temos, porém, é de que a cidade é em grande parte impermeabilizada pelo concreto e de que não há possibilidades de contato suficiente com a natureza. Isso se dá por duas razões. A primeira é que as áreas verdes não estão dispostas de maneira homogênea pelo município, concentram-se em alguns bairros mais bem planejados e, sobretudo, em zonas de mata remanescentes nos extremos norte e sul do município.

Só a Área de Preservação Permanente Capivari-Monos, que ocupa uma ponta ao sul do município, possui mais de 250 milhões de m²[2], ou seja, 16,5% da área total do município. A segunda razão consiste no fato das áreas verdes não representarem necessariamente lugares adequados para o uso do público. Muitos parques, jardins e praças não são projetados para receberem atividades de lazer e contemplação.

Alguns desses locais são apenas áreas tomadas por matagais que os tornam inacessíveis, perigosos e redutos de entulho e lixo. Outros ainda são resíduos de um traçado rodoviário que geram canteiros centrais, rotatórias, sobras de alças viárias contornadas por um trânsito rápido, agressivo e poluente. Enfim, não são áreas verdes públicas voltadas para o lazer.

Canteiros verdes definidos por rodovias - Fonte: IKEDA, 2016
Canteiros verdes definidos por rodovias – Fonte: IKEDA, 2016

Esse dado de 2013 é importante para percebermos que há disponível em São Paulo uma boa parcela de área verde pública não explorada. Seriam esses os jardins, praças e parques latentes, que não são, mas poderiam vir a ser, espaços para as pessoas ocuparem e deles usufruírem. Esse cenário de cidade árida onde o concreto se impõe predominante em relação à vegetação pode ser transformado pela qualificação das áreas verdes públicas existentes, de forma a criar uma rede de infraestrutura composta de polos de vegetação interconectados por corredores arborizados.

Essa medida se faz urgente na cidade de São Paulo. São Paulo precisa ser mais vegetada e de modo capilar, percorrendo todas as suas vias e se alargando em jardins, praças e parques, nas escalas do bairro à metrópole. Faltam calçadas arborizadas e matas ciliares que filtrariam as irradiações solares e a própria poluição e reconstituiriam um microclima ameno e agradável, elevando a umidade do ar e reduzindo as temperaturas.

Faltam gramados extensos para o descanso e passeio, entre sombras das copas e clarões para a entrada do sol, quando desejada. Precisamos caminhar sob sombras de grandes copas de árvores, respirar o ar umedecido pela vegetação, olhar a paisagem efêmera ao longo das estações composta de flores, frutos e folhas. Ao contrário, a sensação que temos ao perambular pela cidade é de incômoda aridez sob o calor extremo nos dias de verão, que se intensifica com a fumaça de carros e com a irradiação e reflexão de superfícies de asfalto, concreto e vidro.

Parques fluviais

Dos 109 parques de São Paulo, 24 são chamados lineares devido à sua localização, que acompanha os rios. A oportunidade de ocupar as margens dos rios com parques que chamaremos aqui de parques fluviais, para enfatizar o seu eixo estruturador primordial, poderia ser, entretanto, multiplicada pelo número de rios que irrigam o município, mais de 300, segundo mapa disponibilizado pela Prefeitura de São Paulo[3]. A rede hídrica seria assim uma base natural para disposição dos parques urbanos de modo homogêneo, espalhados por todos os bairros. Os rios nascem e descem morros, colinas e irrigam as encostas e planícies onde se estabelece São Paulo, percorrem toda a área que a cidade ocupa, formando assim uma rede natural que orientaria o desenho das áreas verdes públicas.

Um sistema de parques fluviais poderia ser implantado às margens de riachos, córregos, canais e rios, formando redes arborizadas que reestruturariam a cidade de forma a garantir a presença constante dos elementos fundamentais: água e vegetação. Além do benefício direto aos usuários, áreas verdes contínuas tecendo a área urbanizada formariam também caminhos para a fauna, corredores de pássaros e pequenos insetos, que poderiam encontrar um ambiente mais apropriado nessas circunstâncias.

Imagem 02. Esquema de Infraestrutura azul e verde: águas fluviais e parques, praças e jardins - Fonte: IKEDA, 2016
Esquema de infraestrutura azul e verde: águas fluviais e parques, praças e jardins – Fonte: IKEDA, 2016

A realização desse projeto de cidade seria facilitada pelo fato de muitas das áreas de mananciais e às margens dos cursos d’água permanecerem públicas. Ou seja, não haveria a necessidade de desapropriação, um processo longo, demorado e, por vezes, inviável. Mesmo se tamponados por lajes ou canteiros centrais de avenidas, esses espaços públicos poderiam ter seu uso modificado, retomando o espaço dos rios e de suas orlas.

Parque da Raia Olímpica USP

Um dos parques fluviais em potencial, o Parque da Raia Olímpica USP, está localizado no leito maior do rio Pinheiros, ou seja, na área da planície fluvial, onde o rio se espraiava nas épocas de cheia antes de ser retificado e canalizado.

Raia olímpica da Cidade Universitária, São Paulo - Fotos da autora, 2015
Raia Olímpica da Cidade Universitária, São Paulo – Fotos da autora, 2015

 

Imagem 05. Rio Pinheiros na altura do Butantã, mostrando poços de areia (descobertos) para a exploração de areia. Sem data - Fonte: Acervo da Fundação de Energia e Saneamento
Rio Pinheiros na altura do Butantã, mostrando poços de areia (descobertos) para a exploração de areia. Sem data – Fonte: Acervo da Fundação de Energia e Saneamento. A raia deve estar um pouco ao norte em relação à área alagada, às margens à esquerda do Pinheiros

 

A raia é cercada por alambrados e tem sua entrada controlada, permitida apenas para a prática de esporte. Sua vocação para parque é, entretanto, evidente. A Avenida Professor Mello Moraes, que margeia os 2,1 km da raia, é bastante frequentada para atividades como caminhada, corrida, ciclismo, ao longo de todo o dia, das 6h até 0h.

Grupos de atletas se organizam para praticar esporte coletivamente, formam massas que ocupam uma e por vezes duas pistas dessa avenida e de outras dentro do campus. Reunir-se em grupos minimiza o risco de atropelamento, mas não o anula.

Principalmente no cair da noite, a prática pode ser perigosa, visto que a avenida tem iluminação insuficiente e em momentos é bloqueada pelas copas das árvores. Além disso, o asfalto para carros não é o piso ideal para a atividade. É esburacado, tem uma inclinação acentuada para drenagem da água e, obviamente, é exclusivamente destinado a veículos.

Gramado às margens da raia olímpica, área de uso controlado, cercada por alambrado
Gramado às margens da Raia Olímpica, área de uso controlado, cercada por alambrado

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Imagem 07. Corrida na Av. Prof. Mello Moraes. Foto: missfit.blog. O alambrado à esquerda da foto cerca a raia olímpica
Corrida na Av. Prof. Mello Moraes. Foto: missfit.blog. O alambrado à esquerda da foto cerca a Raia Olímpica

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Os elementos estruturais da paisagem já existem: o corpo hídrico, a raia, um lago de 2.100 m x 100 m e a arborização densa e robusta nas margens d’água e no canteiro central da Avenida Professor Mello Moraes.

A proposta de projeto apresentada no mestrado São Paulo – Paris, metrópoles fluviais. Projeto de arquitetura para as orlas do canal Pinheiros, córrego Jaguaré e córrego Água Podre incorpora três das seis pistas da avenida marginal à raia, além do canteiro central que chega a ter 25 m de largura.

A avenida ainda teria 12 m de largura, contando com duas faixas para ônibus de 3,5 m de largura e mais duas pistas para veículos de 2,5 m de largura cada, mantendo o percurso de duas mãos. Assim, a orla da Raia Olímpica teria até 75 m de largura, ao longo de seus mais de 2 km, espaço que poderia ser utilizado para o passeio de pedestres e ciclistas, para áreas de estar e contemplação, e para a instalação de equipamentos de ginástica, brinquedos para crianças e até mesmo piscinas públicas cobertas e descobertas.

Ilustração de Bhakta Krpa para a proposta de projeto para a Raia Olímpica da Cidade Universitária em São Paulo

O projeto para a raia também propõe edificações no seu entorno com usos voltados à Universidade. Seriam dois pavimentos para comportarem laboratórios de pesquisa, além de alguns estabelecimentos de comércio e serviço de escala local, e mais outros seis pavimentos de habitação estudantil. As orlas da raia seriam ligadas por passarelas que tornariam a transposição desse corpo d’água mais prática e adequada para pedestres.

Imagem 09. Raia olímpica da USP ao centro da imagem - Fonte: Googlemaps
Raia Olímpica da USP ao centro da imagem – Fonte: Googlemaps

A transformação da raia atenderia a uma demanda latente no seu entorno. É um desperdício ter uma área pública de mais de 300 m² cercada e destinada apenas aos praticantes de canoagem e remo, que são poucos. O lago da raia seria o maior lago em parques de São Paulo, depois das represas Billings e Guarapiranga, que possuem outra escala e outras funções. Para efeito de comparação, as áreas dos lagos do Parque Ibirapuera somam 157.000 m², enquanto que a raia possui 210.000 m².

Alunos da FAUUSP com os professores Marta Bogéa, Alexandre Delijaicov e Angelo Bucci, sentados no cais flutuante da raia olímpica - Foto da autora, 2015
Alunos da FAU-USP com os professores Marta Bogéa, Alexandre Delijaicov e Angelo Bucci, sentados no cais flutuante da Raia Olímpica – Foto da autora, 2015

Por último, apresentamos abaixo uma imagem comparativa, na mesma escala, da Raia Olímpica da USP e da Bacia de la Villette, em Paris. A bacia, que já teve um entorno industrial que a destituía do seu potencial atrativo, é hoje um dos pontos mais frequentados para o lazer na capital francesa. Os galpões laterais, na sua extremidade, foram adaptados para abrigarem salas de cinema, e as ruas lindeiras são ocupadas por comércio e serviço que trazem movimento constante para as orlas desse corpo hídrico, além das próprias embarcações atracadas que funcionam como livrarias, restaurantes e bares. A Raia Olímpica da USP, com uma área que corresponde a quatro vezes a área da Bacia de la Villette, poderia ser mais um parque para São Paulo, entre o campus e o canal Pinheiros, revelando a imensa possibilidade de lazer nas bordas d’água.

Raia olímpica da USP e Bacia de la Villette em Paris, fotos aéreas na mesma escala - Fonte: Googlemaps
Raia Olímpica da USP e Bacia de la Villette, em Paris; fotos aéreas na mesma escala – Fonte: Googlemaps

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Bacia de la Villette, Paris - Fotos da autora, 2015
Bacia de la Villette, Paris – Fotos da autora, 2015


 

Anexos

Projeto das orlas do canal Pinheiros. Corte na altura da Raia Olímpica da USP.

Fonte: IKEDA, 2015

 

Este artigo tem como base a dissertação de mestrado:

IKEDA, Eloisa Balieiro. São Paulo – Paris, metrópoles fluviais. Ensaio de projeto de arquitetura das orlas do canal Pinheiros inferior, córrego Jaguaré e córrego Água Podre. 2016. Dissertação (Mestrado em Projeto de Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16138/tde-16022017-111213/>.

 

[1] Observatório de Indicadores da cidade de São Paulo da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo.

[2] Geosampa, Sistema de Consulta do Mapa Digital da Cidade da Prefeitura de São Paulo.

[3] Geosampa, Sistema de Consulta do Mapa Digital da Cidade da Prefeitura de São Paulo.


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