Parceria com empresas é solução contra a crise

José Tadeu Balbo – Poli

 29/04/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 05/05/2016 as 13:58

“A parceria entre a Poli e empresas para a construção de uma pista de alta qualidade exigiu dois anos de tratativas”

artigo jose tadeu balbo_Foto: Unorp

 

 

 

 

 

 

José Tadeu Balbo é chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP
Mesmo em momentos de crise de financiamento da pesquisa (cortes profundos de verbas para os programas de pós-graduação e para o financiamento de pesquisas inovadoras), há, dentro do nosso meio universitário, quem não concorde com o financiamento privado de pesquisas, ainda que se trate de áreas das quais a sociedade brasileira carece em suas múltiplas diversidades.

Rodovias de alta qualidade são um dos casos. Para se ter uma ideia do custo de uma rodovia em concreto de alto padrão, basta considerar que duas faixas de rolamento de 3,6 metros de largura, na extensão de um quilômetro, consomem a mesma quantidade do insumo básico que um edifício de 15 andares, quatro apartamentos por andar, 80 m2 por habitação.

Isso dá uma noção do quanto custa a implantação de uma rodovia e nos leva à consciência de que ela deve ser muito durável, para que o investimento se justifique. Há dois anos, buscávamos parcerias que pudessem, de modo sinérgico, viabilizar a construção de um pavimento experimental com a tecnologia mais durável, que é empregada com sucesso há décadas na Bélgica, na Holanda, na Alemanha e nos Estados Unidos da América. O financiamento público para a construção de um “corpo de prova” em escala real, com suas exigências específicas para representar um teste real, não era possível dentro de valores típicos de financiamentos proporcionados por agências de fomento no País. O estudo e a devida adaptação tecnológica dessa solução ao clima tropical não haviam antes sequer sido pensados por agências viárias nacionais, o que representa um atraso na implantação da tecnologia no País de ao menos sete décadas.

Há quem pense que atividades conjuntas academia-indústria causem distorções, mas não acreditamos nisso

A pista experimental consolidada na Cidade Universitária, entre janeiro e fevereiro do corrente ano, de 200 metros de extensão, com uso de concretos sustentáveis reciclados e aços de alta tecnologia, propiciará temáticas de pesquisas acadêmicas com a formação de pós-graduandos em Engenharia de Infraestrutura de Transportes por um período de dez anos, subestimando seu potencial de investigação. Isso tem um significado também de pioneirismo da Universidade, na busca pela viabilização de um projeto que consumiu dois anos de tratativas.

O pavimento foi executado num trecho problemático da avenida Professor Mello Moraes, beneficiando o transporte público no local. A busca de financiamento privado para a pesquisa, aqui, nos parece, pelo esforço de docentes da Escola Politécnica, um “gol de placa” e não um “chute na trave”. Há quem pense que atividades conjuntas academia-indústria do tipo causem distorções, mas não comungamos de tais opiniões.

Inovações tecnológicas em várias áreas, para o avanço do País como sociedade moderna, requerem a participação de muitos fornecedores na cadeia construtiva, interessados na produção de soluções em seus aspectos e detalhes tecnológicos: quais materiais são adequados (indústria de transformação) e como aplicar corretamente a tecnologia (indústria da construção) para que venham a atender do modo mais otimizado possível às questões mais sensíveis à população.

O estudo acadêmico sobre o desempenho dessa pista será completamente imparcial com relação aos fornecedores

Muitas pesquisas, em laboratórios entre paredes ou em escala real, são de elevadíssimo custo. Ademais, uma novidade exige treinamento para suas aplicações, que não serão realizadas por acadêmicos, mas pelas administrações públicas e pelos setores industriais. Isso nos convence, assim, de que o financiamento privado de pesquisas no Brasil deva evoluir e ampliar, como ocorre em universidades de ponta no mundo.

É muito romântico referir-se a Harvard, MIT ou Stanford sem recordar o enorme acesso que seus grupos de pesquisa têm a fundos privados e a endowments. Esses fundos auxiliam a criar o abismo existente entre seus muitos setores de pesquisa, em termos de inovações e também de publicações, e aqueles correspondentes em outros países. De tal forma que, como no caso acima relatado, a soma de interesses de uma dúzia de empresas dos setores da indústria de insumos e da indústria da construção civil viabilizou a implantação desse pavimento experimental, de modo inédito no País.

Não há sombra de dúvidas de que o estudo acadêmico sobre o desempenho desse produto será completamente imparcial com relação aos fornecedores-parceiros. O compromisso é levantar acertos e erros e, num processo evolutivo, criar especificações e normas para o emprego dessa nova tecnologia para o tão carente setor de infraestrutura de transportes do País. Não há nada de ilícito ou que cause prejuízos nessa bela parceria criada entre a iniciativa privada e a Universidade. Não podemos adiar o avanço em tecnologias de construção rodoviárias e aeroportuárias no Brasil por mais um século. Temos que avançar, não obstante os preconceitos às parcerias em nada contribuir para a imagem da USP diante do setor produtivo.

 


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