“Do you read newspapers in Brazil?”

Luiz Roberto Serrano é jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP

 31/01/2019 - Publicado há 5 anos

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Luiz Roberto Serrano – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

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“Do you read newspapers in Brazil?”

“Mr. Seidl. You have excellent newspapers in Brazil, indeed! I am amazed! My deepest congratulations.”

As duas frases acima são do inglês John Morrison, reitor do Wolfson College, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, de 1966 a 1980.

Estão separadas por 194 páginas no livro Do Palácio ao Bordel – Crônicas e segredos de um jornalista brasileiro em Londres, de Antonio Carlos Seidl, correspondente da Folha de S. Paulo na Loura Albion, entre 1985 e 1992.

Seidl havia solicitado uma entrevista ao ex-reitor Morrison, 77 anos, por conta de suas pesquisas sobre os trirremes, naus de guerra gregas que dominaram o Mediterrâneo em tempos remotos. Foi nesse momento que Morrison fez a primeira e descabida pergunta a Seidl. Quando o recebeu para dar a entrevista, Morrison já havia pesquisado sobre a imprensa brasileira e desculpou-se com o jornalista brasileiro. As 194 páginas que as separam no livro são um pequeno “truque”editorial de Seidl.

Ao longo dessas 194 páginas, Seidl alinha 22 relatos sobre reportagens e entrevistas que realizou nos seus sete anos de vilegiatura londrina. Os temas são amplos e variados. Política, marxismo, futebol, comportamento, música, cinema, etc… Um correspondente estrangeiro precisa estar aparelhado com uma cultura geral que lhe permita navegar com tranquilidade por todos os assuntos. É o caso de Seidl.

No relato “A Primeira Página”, Seidl registra que o inglês tem uma relação de amor e ódio com a imprensa, sentimento que, sem dúvida, é global e persiste ao longo do tempo. E cita o curioso conceito sobre a imprensa de três personalidades.

Diz Tom Stoppard, diretor do filme Shakespeare Apaixonado: “Sou a favor da liberdade de imprensa. São os jornais que eu não aguento”; Oscar Wilde, autor de O Retrato de Dorian Gray: “Até os jornais estão se degenerando. Agora até mesmo podem ser levados a sério”. Yehudi Menuhin, violinista e um dos maiores maestros do século XX: “Sempre que vejo os jornais, penso nas pobres árvores. Como árvores elas nos dão sombra, beleza e abrigo. Como jornais, tudo que nos dão são asneiras”.

Trata-se de espirituosas boutades, claro, observações críticas de quem, apesar de tudo, não saberia viver sem a imprensa. Nestes tempos de jornalismo cada vez mais digital, as árvores serão cada vez menos sacrificadas, para gáudio de Menuhin. Quanto às asneiras, o que ele diria diante do crescimento avassalador das fake news nas mídias sociais?

Ainda no relato “A primeira página”, é instrutiva a entrevista com Andreas Whittam Smith, fundador do The Independent, um jornal que, enquanto aguentou economicamente, manteve seus propósitos iniciais, tentando renovar a imprensa inglesa. É dele uma frase seminal: “Sem ética, não há liberdade de imprensa”.

Nós, jornalistas, todos sabemos que sem liberdade de imprensa não há democracia.

O livro de Seidl é um roteiro de como fazer bom jornalismo a partir de um observatório privilegiado como é o de um correspondente estrangeiro, um dos cargos mais ambicionados da profissão.

Sua leitura será  importante para qualquer jornalista, qualquer que seja seu local de trabalho. Nas escolas de comunicação será muito útil para ensinar a profissão, mesmo que a imprensa tenha mudado muito nas últimas décadas. Esboça, também, um rico panorama da história da época. Não custa lembrar que são histórias de outro tempo, do século passado. O ambiente da imprensa, com predominância da mídia impressa, era outro, o modelo de negócios também. Nós, veteranos jornalistas, morremos de saudades daqueles tempos.

A função primordial do correspondente é transmitir aos brasileiros um quadro, o mais amplo possível, do país e da região onde trabalha. Assim, colabora para enriquecer a visão de mundo dos seus leitores. No seu encontro com o professor John Morrison, Seidl também fez o contrário, enriqueceu a visão sobre o Brasil do veterano pesquisador inglês. Tudo na vida tem duas mãos.

Num posfácio, o experiente jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva faz um alerta: “A supostamente charmosa ocupação de correspondente internacional está ameaçada”. E continua: “Na crise estrutural do modelo de negócios da atividade, um dos primeiros alvos dos administradores que não são sensíveis é cortar a função”.

Pior, os alvos se ampliam cotidianamente. Os administradores estão cortando em todas as funções das redações, o que põe em risco a qualidade da produção jornalística.

Mas isso é uma outra história, que fica para uma outra vez…

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Do Palácio ao Bordel – Crônicas e segredos de um jornalista brasileiro em Londres

Autor: Antonio Carlos Seidl

Editora: GRUA

Páginas: 242

Ano: 2018

 

 

 


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