Onde nós estamos errando?

Tibor Rabóczkay é professor titular sênior do Instituto de Química (IQ-USP)

 26/02/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 25/04/2019 as 11:25

Tibor Rabóczkay – Foto: Reprodução / Rede Premium TV via Youtu

Estas considerações se referem principalmente ao Instituto de Química, onde lecionei desde sua fundação até a aposentadoria compulsória, mais quatro anos de colaborador sênior. Meus pensamentos, vagueando pelas recordações e os bate-papos com colegas, me trazem à mente duas das maiores questões que cada vez mais me inquietavam durante a carreira. Uma delas se refere ao modo como recebemos e tratamos os recém-ingressados. A outra, como deixamos os alunos partirem para o exercício da profissão, já formados.

A recepção dos calouros já tive oportunidade de comentar na revista eletrônica Grad+ editada por nossa Pró-Reitoria de Graduação. Completo aquelas considerações com a questão de como os “soltamos” para a vida profissional. Preocupação suscitada por “feedback” relatando a ocorrência de eventos do tipo de informações como: o recém-formado ir de bermuda e chinelos à entrevista de emprego, ou iniciá-la com a seguinte pergunta: “me formei na USP, quanto vou ganhar?”.

Acredito que o foco dessas falhas na formação esteja na confusão entre ensino, aprendizado e educação. Dá-se preponderância ao ensino e, portanto, se atribuem responsabilidades, principalmente ao professor, e o aprendizado, que envolve a atitude do aluno, é esquecido. Não é à toa, porém, que as principais revistas da temática em referência têm os títulos de Journal of  Chemical Education e Education in Chemistry (ênfase nossa em “education”). “Education”, não “teaching” ou “learning”! A mensagem é: não basta ensinar, é necessário considerar a educação, a formação integral, o amadurecimento profissional do aluno. O IQ com sua avaliação de professores, pomposamente chamada de PADIQ – Programa de Avaliação de Disciplinas do Instituto de Química, concentra-se em “avaliar” o professor e minimiza a responsabilidade do estudante. Diz o PADIQ:

“A criação de escalas fidedignas para a avaliação da qualidade do ensino de graduação consiste em primeiro passo para que políticas acadêmicas direcionadas para o ensino possam ser efetivamente implementadas. Neste sentido, a Comissão de Graduação (CG) criou no 1º semestre de 2004 o PADIQ, Programa de Avaliação de Disciplinas do IQ. Trata-se de projeto que visa à avaliação das disciplinas ministradas por docentes do IQ no âmbito da graduação, criando-se mecanismos para a obtenção de informações sobre os cursos e de subsídios para futuros aperfeiçoamentos. O parâmetro principal da avaliação consiste em questionários individuais preenchidos em folhas ópticas pelos alunos, nos quais o desempenho do docente e aspectos pertinentes ao andamento da disciplina são mensurados mediante a utilização de critérios qualitativos e quantitativos.”

A educação, no sentido mais complexo, isto é, a educação nos diversos aspectos que o exercício da profissão envolve, é omitida ou nem sequer lembrada.

Obviamente, torna-se necessário repensar o curso no seu todo e em suas particularidades e reformular a ação docente. Jogos que se reduzem a pequenas alterações na grade curricular, mudanças nos nomes das disciplinas ou algumas alterações em seus conteúdos não levam a nada, mostra a realidade. Pelo contrário, podem ser prejudiciais.

Ao lado da ineficiente mudar por mudar, e ostentar que “mudou”, também a falta de memória pode levar a “inovações” que na verdade reconduzem a uma situação antiga já superada. Um exemplo concreto, o da quimiometria. Essa disciplina foi introduzida na grade em lugar da estatística pura, que não tinha grande popularidade entre os estudantes de química, muitos deles avessos ao cálculo. Uma disciplina que ensina diretamente o uso da estatística em trabalhos de química e que, portanto, opera com dados químicos e com as relações matemáticas finais fornecidas pela estatística, em vez da dedução dessas reações. Disciplina importante, pois, em contraste com o que o aluno está habituado, educa para o trabalho com a incerteza, e exige decisões cujas respostas corretas não se encontram no final da apostila ou nos manuais de soluções. Alguém, ávido de mostrar mudanças e ignorante da história, conseguiu que fosse aprovada a eliminação da quimiometria e o retorno à estatística, fora da instituição. Se o docente de estatística tiver algum conhecimento de química, o prejuízo para o estudante pode ser menor. Mas, não vale dizer que a estatística é a estatística e não há sentido em reduzi-la para determinada área – pois operar com variáveis abstratas, x e y, ou com variáveis físicas, por exemplo, variação da energia livre de reação com a temperatura, para o aluno imerso num mar de disciplinas e com tempo limitado, ambas as abordagens significam coisas bem diferentes.

A questão da educação na profissão se projeta mais gravemente quando os atores envolvidos, dentre os quais se destaca a Comissão de Graduação, já não conseguem enxergar as necessidades e as falhas, como ilustra o caso que segue.

A Comissão de Graduação não conseguiu avaliar o projeto da disciplina nem entender sua importância e, em vez de um parecer profissional, o rejeitou com falácia ad hominem

Em resposta aos desafios, e mostrando como é importante a liberdade de iniciativa do docente, foi proposta no IQ uma disciplina optativa com o objetivo de levar os alunos para mais perto da vida profissional fora das instituições de ensino e treiná-los para pensar de forma autônoma. Atividades multidisciplinares e interdisciplinares envolveriam a busca de problemas reais, debate de soluções entre grupos de alunos mimetizando empresas de consultoria “rivais”, planejamento da execução, debate com “autoridades” e a “imprensa” para promover a aceitação das propostas. O aluno treinaria a elaboração de propostas e relatórios, além dos científicos, formas adequadas para o entendimento por administradores públicos, administradores do setor privado, engenheiros e técnicos, operários e, possivelmente, a sociedade e a mídia – isto é, a comunicação adequada com setores diversos.

A Comissão de Graduação não conseguiu avaliar o projeto da disciplina nem entender sua importância e, em vez de um parecer profissional, o rejeitou com falácia ad hominem. Assim, perdeu-se a oportunidade de uma experiência realmente inovadora e, certamente, fundamental para a formação e o amadurecimento profissional dos futuros químicos.

Repetimos, torna-se grave a situação quando um “sistema” perde a capacidade de reagir, readaptar-se e renovar-se. Mantenhamos, entretanto, a esperança de que a semente lançada um dia germine beneficiando a formação profissional do aluno.

 


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