O que significa Anitta no conselho de administração do Nubank?

Por Clotilde Perez, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 21/06/2021 - Publicado há 3 anos
Clotilde Perez – Foto: Arquivo pessoal

 

O Nubank, desde sua origem em 2013, vem mostrando que inovação é mesmo parte da sua missão. O nome do banco já instaura uma importante ruptura. Nu é estar desprovido de vestimentas, ou seja, sem a cobertura das convenções sociais mais elementares, estar na condição de origem, sem proteção, disfarce ou adorno. Também a logotipia, inicialmente transparente, dava visibilidade ao que a palavra significa, amalgamando forma e conteúdo. A cor expressiva da marca também é inusitada na ambiência financeira. O universo de sentidos da cor púrpura carrega a tradição e a perenidade, conferindo sentidos trans-históricos, o que para um banco, ainda que digital, é excelente. A cor púrpura era a única cor que não desbotava nos idos anos de 1.500 a 3.000 a.C., em que os fenícios eram os grandes mercadores marítimos dos pigmentos. A substância colorante era obtida pela putrefação de um molusco marinho (um tipo de lula), que resultava em um produto de alta pregnância. Por isso, a cor púrpura foi prontamente incorporada como elemento simbólico das monarquias e da Igreja Católica, instituições com grande apreço pelo eterno.

A cor púrpura em Nubank é signo diferenciador e complexo: o eterno ressignificado na irreverência do agora. Em campanha publicitária disruptiva, em dezembro de 2018, Nubank instaura na Pinacoteca de São Paulo uma porta giratória, daquelas que ainda hoje torturam os pobres cidadãos que têm a ousadia de querer entrar em uma agência bancária. O simbólico foi perfeito: peça de museu, que deve ser preservada como signo de um passado vivido, não necessariamente nostálgico. A campanha contou com importante reforço nas redes sociais e marcava o lançamento do cartão de débito Nubank. O post provocativo do banco no Instagram na ocasião é revelador:

“O caminho está livre. Começamos a testar oficialmente a função débito. Agora você já pode deixar as agências bancárias no habitat natural delas: o passado. Por isso, transformamos a porta giratória em uma peça de museu de verdade. No dia 11/12 a porta ficou em exibição na Pinacoteca, mas você pode se despedir dela pra sempre na agência mais próxima”.

Em 30 de setembro de 2019, a Ambev anuncia que acabara de contratar Anitta como head de criatividade e inovação da marca Skol Beats. Com várias funções, a artista passou a discutir a estratégia de marketing, de negócios e inovações ao lado da equipe da Skol Beats, e ainda assumiu a responsabilidade pelo lançamento de ao menos um produto autoral por ano. Anitta com crachá da marca, portanto institucionalizada, e intitulada “Big Boss” – não por acaso também Skol Beats se expressa predominantemente pela cor púrpura -, passou a estampar as redes sociais em um processo amplificado de midiatização. Como vimos, parece que Anitta (pela sua produção artística e pelas ações em co-branding) e Nubank comungam da inovação e do caminho da ruptura como marcas identitárias. Vejamos.

No dia de hoje (21 de junho de 2021), Nubank chacoalha o status quo predominante do sisudo ambiente de negócios ao informar que Anitta integrará o Conselho de Administração do banco, colegiado responsável pelas diretrizes gerais da instituição e guardião de sua governança. Interessante ter em conta que este anúncio vem na sequência do aporte de R$ 3,7 bilhões em novos investimentos liderados pela Berkshire Hathaway, e outros com participação menor. Parte desses investimentos serão destinados a novas startups. Mas o que significa esta contratação para o Nubank? Vejamos as falas institucionais: “Anitta tem profundo conhecimento do comportamento dos consumidores nesses mercados que tem explorado e tem muita experiência em estratégias de marketing vencedoras. Essas competências foram chave para a convidarmos para o conselho. Nenhum outro conselheiro possui essa experiência”, diz David Vélez, CEO e fundador da empresa. E Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, afirma: “Anitta está reinventando a cena cultural nos últimos anos e compartilhamos do mesmo DNA de inovação. Ela levou o funk brasileiro a outro patamar e criou uma marca mundial gigantesca. É uma empresária de sucesso que vai nos ajudar a aprimorar ainda mais os produtos para nossos clientes”.

Anitta é uma artista, empresária, ativista, influenciadora, que carrega múltiplos sentidos. Expressão da jornada da heroína, Anitta foi adicionando feitos reveladores de estratégicas complexas, o que indicia uma equipe de muita qualidade no seu entorno. Nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, portanto mulher periférica, conquistou o País e a América Latina, agregando música, especificamente o funk, ativismo empreendedor e midiatização. Seus méritos estão na capacidade sensível de compreender o que seu público quer; tem a sensibilidade dos que viveram a realidade comum a milhões de cidadãos, como fica explícito no clipe Vai malandra, com a exposição do corpo adornado com fita isolante, simulando um biquíni, à mercê do sol na laje de uma casa muito modesta, imersa em uma comunidade. A identificação com as mazelas e a criatividade para “dar um jeito” são próprias da artista e de milhões de latinos. Tem sensibilidade do povo, da juventude e das redes sociais – domina essa linguagem com maestria. Está sempre alguns passos à frente, possível pelo seu olhar guiado ao futuro, para fora e para cima. Compreende o espírito do tempo e devolve com a potência das suas criações midiáticas que aplacam os quereres de milhões, analistas gostando ou não. Así es, em bom espanhol.

A presença de Anitta no quadro de conselheiros do Nubank, entidade que ultrapassou os 40 milhões de clientes, revela a inteligência sensível dos executivos em perceber que o que está fora da instituição e adiante é o que deve guiá-los. Anitta não é formada em finanças, direito ou tecnologia, portanto suas contribuições não serão neste caminho; não aportará soluções operacionais, uma vez que não “conhece do negócio”, tampouco os conselheiros estão interessados especificamente nos seus clipes desconcertantes, irreverentes, marcadamente periféricos, com letra e música simplificadas. Anitta aportará novos sentidos. Nubank quer conquistar mais clientes, outros milhões de brasileiros e latino-americanos, principalmente na Colômbia e no México, justamente onde Anitta cresce como fenômeno de novos valores, ainda difíceis de enxergar para quem olha para dentro, para baixo e para trás.


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