O que o mercado editorial chinês pode ensinar para o brasileiro?

Por Hugo Quinta, pós-doutorando na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 Publicado: 19/09/2024 às 18:38
Hugo Quinta – Foto: Arquivo pessoal
Desassombro. Esta é a melhor definição para a monografia de Thiago Bastidas. Defendida no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o trabalho tem a ambição de cotejar o mercado editorial do Brasil e da China entre 2002 e 2022.

O autor parte da amostragem de dados relacionados a esses mercados para traçar sua análise comparativa. Ele apresenta os resultados de pesquisas realizadas nesses países, aborda a política de Estado de cada um deles e ainda faz um exercício de projeção para os próximos anos. Um dos principais objetivos do estudante é compreender de que maneira os negócios do livro na China têm crescido vertiginosamente quando comparado ao mercado brasileiro.

Na contramão do país asiático, Bastidas diz que o mercado do livro no Brasil está em declínio. Sua análise parte os dados da pesquisa Produção e vendas do setor editorial brasileiro, produzida pela Nielsen BookData e contratada pelo SNEL e CBL. O estudante avalia os dados e identifica a contradição entre a pesquisa da Nielsen e a Retratos da Leitura – realizada pelo Instituto Pró-Livro e Itaú Cultural – no que diz respeito à quantidade de livros lidos por pessoa em cada ano. Em 2011, por exemplo, a primeira pesquisa indica a média de 1,4 livro por pessoa e a segunda sugere que cada brasileiro leu, em média, 4 livros naquele ano. A partir dessa constatação, Bastidas pondera que as divergências estatísticas dessa grandeza dificultam um estudo criterioso do mercado editorial brasileiro.

Ao descrever esse cenário, o estudante destaca as poucas ações e as queixas manifestas pelos agentes que atuam no mercado do livro nacional. Uma delas diz respeito à polêmica em torno do preço do livro. Para sustentar suas afirmações, Bastidas elaborou gráficos examinando a variação do preço médio do livro no mercado brasileiro comparando-o ao salário mínimo e aos livros vendidos per capita. E chegou à conclusão de que a redução do preço do livro não necessariamente aumenta sua venda, da mesma forma que o acréscimo do preço pode afastar uma parcela dos leitores. Sua análise foi ainda mais sútil ao identificar que a percepção na diminuição do valor da obra cria um impasse para o mercado elevar o preço do livro acompanhando a majoração de outros produtos comerciais.

Após apresentar um panorama do mercado editorial no Brasil, o estudante explora os dados que dizem respeito ao mercado editorial na China. Sua avaliação parte de uma breve contextualização histórica e de um cuidadoso levantamento e análise dos dados disponibilizados pelo Statistical Yearbook, Beijing OpenBook e Instituto de Ciência da Publicação da China.

Durante a abertura econômica do país iniciada em 1978, a produção era de 3,7 bilhões de exemplares por ano, com uma média de 3,9 livros por pessoa ao ano. Em 1995, o conjunto era de 6,32 milhões de exemplares, com uma média de 5,2 livros por habitante. Mas o panorama da indústria editorial chinesa tornou-se ainda mais promissor no início dos anos 2000. Foi nesse período que o país adotou o modelo de economia planejada e ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que o levou a adotar práticas econômicas internacionais.

Ao concluir a exposição das características dos negócios do livro de cada país, Bastidas compara as ações estatais para o mercado do livro. Seu estudo considera que as iniciativas do Estado brasileiro foram insatisfatórias para incentivar o crescimento sustentável do ecossistema do livro. Já o governo chinês adotou procedimentos para conquistar as metas previstas em seus planos quinquenais.

No caso brasileiro, Bastidas menciona o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), o Plano Nacional de Cultura (PNC), o Plano Municipal do Livro, Literatura e Biblioteca (PMLLB) instituído, em 2015, na cidade de São Paulo, mas não aprofunda os aspectos positivos e negativos desses planos para o mercado editorial. Quanto à política adotada pelo governo da China, o autor afirma que o crescimento do seu mercado editorial foi possível graças à adoção da leitura enquanto prática cultural, e ele comprova essa afirmação expondo como as ações do governo adensaram os equipamentos culturais por todo o território chinês.

Em suas considerações finais, o estudante entra em outra polêmica. Ele afirma que todos os países com mercado editorial competitivo contaram com o apoio do Estado na indução do desenvolvimento da indústria do livro. E encararam esta indústria como um ativo estratégico do Estado. Essa observação não apenas é correta, como também é facilmente demonstrável pelos índices quantitativos e qualitativos do mercado editorial chinês.

Mas acho temerária a afirmação sobre a postura de escasso interesse do Estado brasileiro no setor editorial. O Instituto Nacional do Livro, criado em pleno Estado Novo, é apenas um exemplo da presença estatal na definição de políticas públicas para o livro. As editoras universitárias públicas do País, fundadas na segunda metade do século 20, também promoveram o crescimento do mercado editorial brasileiro. Também é importante considerar que as editoras comerciais muitas vezes se sentiram ameaçadas quando o Estado colocou em prática as ações voltadas para o livro.

Mas o fato é que essas políticas são garantidoras da sustentabilidade do mercado. Um exemplo atualmente em voga no Congresso Nacional é o projeto batizado de Lei Cortez. Num primeiro momento, os diversos agentes do mercado questionaram a viabilidade da lei, mas hoje há uma convergência entre as diversas entidades do livro quanto a sua viabilidade. Sem entrar nos meandros desse projeto, seu objetivo principal é que os lançamentos editoriais devem ser vendidos durante um ano com desconto de até 10%, o que pode representar a vitória da primeira batalha em prol da promoção da bibliodiversidade do livro no Brasil.

Outras hipóteses poderiam ser exploradas na monografia de Bastidas. Uma delas é investigar quais das iniciativas postas em prática pelo mercado editorial chinês poderiam ser empregadas na qualificação do mercado do livro no Brasil. Outra é verificar se os mercados editoriais do Brasil e da China estavam no mesmo patamar no início dos anos 2000, como ele afirma logo no início de seu texto.

Mas nem mesmo essas lacunas desmerecem o ousado trabalho de conclusão de curso. A monografia é uma provocação para futuras pesquisas em torno desse tema. Aliás, trata-se de um objeto de estudo da maior importância para a pós-graduação e para os agentes atuantes nesse mercado.

Muito bem orientado pela professora Marisa Midori Deaecto (ECA-USP), Bastidas redigiu um trabalho que criou pontos de convergência e divergência entre os mercados editoriais do Brasil e da China. Embora os dados apresentados pelo estudante necessitem ser mais bem destrinchados, um desfecho inicial de seu trabalho sugere que as especificidades do eficiente mercado chinês podem servir de horizonte para a concepção de políticas públicas e de engajamento das editoras e livrarias que integram o mercado editorial brasileiro.

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