O polinizador da ciência

Sergio Mascarenhas é presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e professor titular aposentado da USP

 20/09/2018 - Publicado há 6 anos

Foto: Francisco Emolo / USP Imagens

Warwick Kerr faleceu materialmente, mas sua obra como humanista e geneticista permanece iluminando os caminhos da Ciência e Educação como rota real para o desenvolvimento do Brasil. Lembro-me quando fomos a Brasília, na época da ditadura militar, protestar em nome da comunidade da SBPC contra prisões e torturas de cientistas e professores. Ele presidente, eu vice-presidente da SBPC, chegamos ao gabinete do então ministro Jarbas Passarinho que, ao entrarmos, colocou em pé uma dessas ampulhetas de areia indicando tempo limitado para a entrevista.

Nessa ocasião lembro-me da força moral de Kerr, que iniciou sua fala incisivamente: “Estou aqui não como cientista, mas como um ser humano em busca de respeito por outros seres humanos”. Passarinho mudou suas feições e deitou a tal ampulheta. A força moral e a sinceridade de Kerr é que deitaram aquela ampulheta!

Como primeiro diretor científico da Fapesp, iniciou a brilhante trajetória dessa fundação, orgulho e exemplo maior de política de Estado duradoura e inovadora. Como geneticista brilhante, vindo do templo que é a Esalq, em Piracicaba, Kerr fez parte daquela plêiade histórica que implantou a Genética no Brasil, com Pavan, na Faculdade de Filosofia da USP, em São Paulo, e os grandes estrangeiros visitantes Dobhzansky, em São Paulo, e Brieger, em Piracicaba.

Fundamental foi o apoio da Fundação Rockefeller, com seu preclaro Miller, que financiou uma das mais relevantes revoluções da historia moderna da ciência no Brasil. Kerr teve um papel também central quando, com seu enorme entusiasmo, polinizou pessoalmente vários centros, como em Rio Claro, na Unesp, no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), em Manaus, na FMRP, em Ribeirão Preto, no Maranhão e em Uberlândia .

Quando estava em Rio Claro, Kerr me procurou na USP-São Carlos e criei com ele um instrumento de fertilização artificial para suas experiências com genética de abelhas e, a partir dessa época, nunca mais cessei de admirá-lo, quer como amigo e companheiro, quer como aquele maravilhoso ser humano cheio de amor e entusiasmo pela vida.

Abreijos mil, saudoso Kerr, exemplo para nossa mocidade nesse momento triste da ciência nacional, destruída por incompetentes e ignorantes da história e carentes de líderes como você.


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